5 de jul. de 2013

O QUADRO INSTÁVEL

(JB)-Há um episódio marcante na história dos Estados Unidos, sempre lembrado – e também nesta coluna. Em 1787, quando se aprovavam os artigos da Constituição, em Filadélfia, alguém apontou um quadro, no fundo da sala das reuniões. Tratava-se de uma paisagem, com o sol entre as nuvens com uma montanha no primeiro plano. Tanto podia retratar o amanhecer ou o crepúsculo. Alguém, provavelmente Benjamin Franklin, observou a ambivalência da pintura, para expor sua sabedoria: ela podia significar o nascimento de uma grande nação, ou o ocaso de um sonho, o sonho dos passageiros do Mayflower.
         Podemos ampliar a dúvida de Franklin que, entre outros feitos, inventou o pára-raios: todas as nações, como todas as coisas do mundo, vivem, em cada instante, a alvorada e o entardecer. Os estados – e, muito mais ainda, os governos – são instituições precárias que podem sucumbir na decisão equivocada de um segundo. Essa decisão equivocada pode ser de uma pessoa, que esteja no poder de tomá-la, seja da sociedade nacional como um todo. Na visão desalentada de alguns historiadores, como Bárbara Tuchman, a História é uma longa marcha da insensatez, com raros e efêmeros momentos de bom senso e paz.
        Qualquer observador norte-americano de hoje, diante do quadro que inquietou Franklin, poderá repetir a dúvida: seu país está diante de nova alvorada ou do definitivo crepúsculo. Mas o fado não se limita às fronteiras da orgulhosa república. A civilização está, ela inteira, sobre o fio da navalha. De repente, como no belo prefácio de Helio Pellegrino ao “Encontro Marcado” de Fernando Sabino, o homem acorda, no meio da noite, de repente, nu e só, e a verdade lhe atravessa o peito, como um dardo. Mas não é um só homem. É o homem, como ser histórico, golpeado por todas as dúvidas.
        Um dos dados curiosos das pesquisas, feitas no calor dos protestos no Brasil, há a queda da presença nos eventos evangélicos, em 40%, segundo o Datafolha. Até mesmo o Jeová meio liberal das seitas petencostais está perdendo os seus fiéis. A Igreja tenta, mais uma vez, voltar às catacumbas com o novo papa, o primeiro (é bom registrar) a usar o nome do poverello, mas está sentindo as dificuldades em cumprir essa missão profética. Isso, quando percebemos que nunca como neste tempo,  só a mensagem cristã nos pode  indicar a salvação do reino de Deus, ou seja, o da paz, neste plano temporal, que é o único que nos toca.   
        Estamos assustados com os protestos, como se fôssemos, como povo e como Estado, os únicos intocáveis da Terra. O Brasil, como os seres humanos de John Donne não é uma ilha. Estamos em um só continente a que chamamos Humanidade. Isso se torna mais evidente ao examinar o quadro internacional. Enquanto a Presidente assiste às dificuldades de seu mandato, Obama sai pelo mundo, em busca de simpatia, e é recebido com protestos na África. A União Européia, a mais sólida aliada histórica de Washington, sente o amargo constrangimento de saber que suas decisões estavam sendo acompanhadas pelo sistema de espionagem eletrônica dos Estados Unidos. E Putin deixa claro que não irá entregar Snowden a Obama: nada tem a ver com o fato de que seus “aliados” ocidentais se espionem, desde, é claro, que não espionem a Federação Russa.
        Os romanos partiam da constatação pragmática de que os segredos mandam. Em um mundo sem segredos, a não ser os realmente invioláveis, que ninguém supõe serem ainda possíveis, quem mandará?
        Há sinais de que, no Brasil, a dispersão dos protestos, conforme os setores corporativos, acabará aliviando a pressão sobre os governos, embora não resolva o problema de fundo. Já temos protestos anti-protestos, como os dos trabalhadores no setor de transportes públicos, para os quais o passe livre, se adotado, significará o desemprego. E o dos médicos, contra a vinda de profissionais estrangeiros, que é uma reivindicação dos grotões do país, onde a morte passeia sua impunidade, com a mesma tranqüilidade de alguns políticos corruptos.
        O plebiscito divide a opinião dos políticos e de alguns juristas. A ministra Carmem Lúcia está certa: o plebiscito é previsto na Constituição. Se o poder legislativo convocá-lo, ela terá que providenciar os meios, como chefe da Justiça Eleitoral. Mas não pode fazer o impossível, por isso se reunirá hoje com os chefes dos 27 tribunais regionais eleitorais, a fim de avaliar a possibilidade ou não de conduzir a consulta, no prazo desejável, a fim de que tenha efeito nas eleições do ano que vem.
        Como no resto do mundo, no exercício de nossa soberania, temos que caminhar com prudência, na defesa do estado democrático de direito, dentro da poderosa advertência romana de que a suprema lei é a  salvação da república.

      
 

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