18 de fev. de 2011

CORRUPTOS E MATADORES

A sociedade necessita de corpos armados, educados para a defesa da dignidade dos homens, e rigorosamente administrados, a fim de garantir a vida e a propriedade legítima das pessoas. A eles cabe exercer o monopólio da violência conferido ao Estado pela inteligência política. Só os agentes devem empregar a força e as armas, em casos estritos de necessidade. Os estados modernos, deteriorados pela submissão à mentirosa racionalidade econômica, e sob o exemplo do sistema liberal capitalista por excelência, o dos Estados Unidos, têm concedido a terceiros, estranhos a seus quadros, o exercício da violência. Contratam empresas privadas, que geralmente empregam, em tempo parcial, policiais civis e militares em suas atividades.

A tolerância ao nítido conflito de interesses tem estimulado o surgimento das chamadas milícias, que atuam nas regiões em que a presença oficial do Estado é precária. Integradas por policiais civis e militares, tais como as empresas de vigilância, elas oferecem proteção, só que, em seu caso, mediante taxas extorsivas e o exercício de comércio ilícito. Enfim, o gangsterismo se organiza dentro do aparelho repressivo oficial.

É possível objetar, e com razão, que a infecção dos quadros policiais não é nova. Sempre houve policiais achacadores e subornáveis, ao longo da história, em todos os países do mundo. Essa constatação não exclui a necessidade de combater rigorosamente esse tipo de crime – sobretudo porque são suspeitos de nele se envolverem os próprios dirigentes dos corpos armados, como sugerem as investigações em curso no Rio de Janeiro. Se dessa podridão são responsáveis os dirigentes políticos do Estado, que nomeiam as autoridades policiais, ou não, cabe ao Ministério Público averiguar, com a ajuda da Polícia Federal. Tão antiga quanto a História, é a dedução de que o exemplo vem de cima. Maquiavel e outros pensadores políticos são nisso contundentes: os súditos acompanham o que fazem os príncipes, e os imitam.

Já tardiamente, quando acossado pelos militares e sem a proteção carismática de sua mulher Evita, Perón soube que seu cunhado se havia corrompido e achacava banqueiros e industriais. Sua reação se expressou na frase transformada em máxima política: “Los gobiernos, como el pescado, empiezan a pudrirse por la cabeza”.

Outra endemia nos corpos policiais é a dos esquadrões da morte. O Rio de Janeiro tem triste tradição em assassinatos dessa natureza. Quadrilhas de policiais, aparentemente a serviço de comerciantes, matam friamente os “indesejáveis”, que, no juízo dos mandantes, “infestam” as cidades. Da mesma forma, esses grupos liquidam seus rivais nos negócios sujos. Há mais de cinquenta anos, atuavam os “homens de ouro”, com a tácita autorização para “eliminar bandidos”. Há 18 anos, em julho de 1993, cerca de 70 crianças, que dormiam junto à Igreja da Candelária, foram metralhadas por vários policiais, com numerosos feridos e seis mortos.

Agora, em Goiás, descobre- se um grupo de extermínio que, segundo os indícios, era chefiado nada mais, nada menos, pelo subcomandante da Polícia Militar do estado. Entre as suas vítimas, se as investigações se confirmarem, encontram-se mulheres e crianças, mortas por acaso durante os tiroteios ou para eliminar testemunhas.

O velho princípio da filosofia social dos gregos é o de que a política deve ser a prática da ética.

Ética e política se encontram separadas no mundo moderno, em razão do apodrecimento da razão, que estabelece o pragmatismo do lucro e do êxito como novo imperativo universal. Só com o retorno da ética à ação política encontraremos a necessária reabilitação do Estado.

A VISITA DE MR. OBAMA

Obama vem ao Brasil tentar impor seus aviões à FAB. Acautele-se a presidente Dilma Rousseff, e se acautelem os formuladores de sua política externa, que não são todos os mesmos do governo passado: Mr. Obama não vem ao Brasil visitar as cataratas do Iguaçu, nem ensaiar passos de samba com as mulatas da Portela. Mr. Obama vem completar a missão de McCain e impor a venda de aviões à FAB. Não se trata só de um bom negócio, mas de importante passo estratégico. Quando vendemos um equipamento bélico, com ele obtemos certos empenhos políticos. Quem compra máquinas, e não produz suas peças, estará sempre sujeito ao vendedor, para mantê-las em pleno rendimento. No caso de equipamentos militares, fica limitada a sua operação, no caso em que o vendedor se negue a fornecer assistência técnica ao comprador. Daí a necessidade de que, em negócios dessa natureza, não se adquira apenas o equipamento desejado mas, também, a tecnologia de produção de peças e acessórios, em caso de necessidade. Enfim, devemos obter a possibilidade de, conforme a nossa conveniência, fabricar aqui mesmo os aviões.

A grande estratégia norte- americana para o controle da América Latina, no passado, foi a de manter acordos militares com a maioria de nossos países, o que lhes dava poder de arbítrio se houvesse, e quando houvesse, dissídio entre nós. E se o dissídio fosse com algum aliado europeu, estavam prontos a esquecer quaisquer acordos e compromissos. Assim ocorreu no caso das Malvinas: em vão a diplomacia argentina lembrou a Doutrina Monroe. Washington ofereceu seu braço forte a Londres – e quem honrou o princípio da não intervenção europeia no Hemisfério foi o Brasil, não só durante o conflito, impedindo o uso do espaço aéreo brasileiro a aviões britânicos mas também, recentemente, negando porto a uma belonave inglesa, obrigada a voltar à pátria pelo Pacífico e refrescar-se, conforme o jargão marítimo, em porto chileno.

O Brasil e os Estados Unidos tiveram um bom momento para estabelecer excelentes relações de igualdade, durante os primeiros anos de independência, quando homens como Jefferson, ainda vivo e influente, e José Bonifácio, em plena grandeza, tinham a mesma dimensão intelectual e semelhante visão de Estado. Mas, não obstante a extraordinária sabedoria política de alguns dos fundadores da grande república, prevaleceu o preconceito contra os mestiços católicos do Sul, e essa oportunidade acabou sendo vencida pelo partido imperialista norte-americano.

Obama representa nova mentalidade política nos Estados Unidos, mas nem tanto. Os norte-americanos, democratas ou republicanos, batistas ou mórmons, têm uma indiscutível virtude, que nem sempre nos assiste: eles são entranhadamente nacionalistas. Defendem os seus interesses com vigor, e se unem diante do mundo. Os papéis do WikiLeaks revelam que não são tão astutos como muitos supunham, e cometem erros primários, como o de valer- se de reles traidores de outros povos. Ainda agora, um inimigo de Saddam Hussein, o químico iraquiano Rafid Ahmed al-Janabi, confessou ter inventado a balela de que o dirigente do Iraque dispunha de armas de destruição em massa. Por valer-se de uma patranha, os Estados Unidos já perderam milhares de vidas no Oriente Médio, e perderão outras tantas, antes de conseguirem escapar do labirinto em que se meteram. Saddam foi derrubado, preso e enforcado, em nome de uma reles mentira.

Devemos receber Mr. Obama com todas as honras que merece o grande povo norte- americano, mas sem ilusões. E a forma mais digna de recebê-lo é a de deixar-lhe claro que emulamos a grande república do Norte em seu sentimento nacionalista. Assim como eles defendem sua soberania e seus interesses, também defendemos os nossos, embora tenhamos, entre nós, vendilhões como eles tiveram, com o traidor Benedict Arnold.

1 de fev. de 2011

A DEFESA COMO DEVER

Volta ao debate o problema da compra de caças para a Força Aérea Brasileira. Dizia Clemenceau que a guerra é assunto muito grave para ser deixado aos militares. O grande homem de Estado francês não estava desdenhando os soldados e seu heroísmo, mas apenas lembrando que as guerras – e mais ainda as guerras modernas – envolvem toda a nação em combate, e sua condução terá de ser, assim, política. O problema da modernização das nossas Forças Armadas é assunto nacional. Os povos criam, armam e sustentam seus militares a fim de que eles possam assegurar a inviolabilidade das fronteiras e a soberania política. Sendo assim, os militares estão a serviço da pátria, entendida como a comunidade brasileira como um todo.

Como especialistas, eles podem apontar as vantagens técnicas da compra de um equipamento ou outro, mas não basta a avaliação do desempenho para determinar essa ou aquela aquisição. O Brasil vem tratando do assunto há algum tempo. Qualquer decisão a ser tomada nos trará desgastes com os governos preteridos. A avaliação dos riscos, diplomáticos, técnicos e financeiros, deverá ser cautelosa. O que parece melhor pode não nos convir, se considerados todos os aspectos do problema. Daí a necessidade de alianças estratégicas, no setor tecnológico, com países emergentes.

O Brasil perdeu tempo demais, ao não investir em ciência e tecnologia. Enquanto outros países multiplicavam as pesquisas e formavam centenas de milhares de engenheiros, químicos, físicos, biólogos, nós não agíamos com a mesma visão de futuro. Conseguimos criar instituições universitárias de excelência para a formação técnica, sem abandono das preocupações humanísticas, como a Escola de Minas, de Ouro Preto, ainda no século 19, mas não continuamos nesse caminho. O mais grave é que abandonamos a educação elementar, ao abandonar a formação tradicional de professores, como o fazíamos com as escolas normais e as universidades do passado. Temos, é certo, algumas escolas privadas de excelência, destinadas à reprodução das elites, mas a educação pública continua presa à burocracia e incompetência.

Não obstante isso, havia setores em que caminhávamos bem, como no de pesquisas em telecomunicações. O governo neoliberal de 1995-2003, ao privatizar as empresas estatais do setor, além de entregar aos estrangeiros processos técnicos que havíamos desenvolvido, fechou os laboratórios realmente nacionais, privando- nos do desenvolvimento autônomo nessa área. Mais ainda: sucateou as universidades públicas, ao mesmo tempo que estimulava o crescimento da indústria do ensino privado, com os resultados que nos assustam.

Necessitamos retomar a indústria bélica, que os governos militares haviam promovido. Pelas revelações do WikiLeaks, soubemos que os norte-americanos não querem o desenvolvimento da indústria aeroespacial brasileira. Os esforços nesse setor são tanto mais meritórios quanto maior é a resistência de Washington. Não nos esqueçamos de que, em 22 de agosto de 2003, 21 técnicos brasileiros morreram ao explodir, na plataforma de lançamento, o foguete que conduziria satélites de nossa tecnologia para órbita equatorial a 750 quilômetros de altitude.

Não podemos comprar “caixas-pretas”; devemos dominar toda a tecnologia dos aviões adquiridos. O mais importante é mobilizar toda a inteligência nacional no esforço de fortalecimento da capacidade de defesa – e isso compreende, além das pesquisas específicas, o desenvolvimento acelerado da economia, a vigilância sobre as fronteiras e a atualização do projeto nacional que Vargas começou a cumprir, com a criação das grandes empresas estratégicas, entre elas a Petrobras e a Eletrobras. O poder militar não é um capricho da arrogância. É um dever de patriotismo.

COM SARA LEE, BRASIL PODERIA AUMENTAR PRESENÇA NO MERCADO MUNDIAL DE CAFÉ

O Brasil, que produz e exporta café em bruto há 150 anos, e que não tem nenhuma marca ou grande player de capital nacional no mercado mundial de café pronto para o consumo, pode estar perdendo uma grande oportunidade de dar a volta por cima, com a compra, pelo Grupo JBS, do controle da Sara Lee nos Estados Unidos. O BNDES, se não quiser (ou puder) apoiar o grupo nacional no fechamento do negócio, poderia reunir um grupo de produtores ou cooperativas do setor, para ficar com os ativos de café da Sara Lee, que controla diversas marcas, torrefadoras e distribuidoras nos Estados Unidos e em outros países, incluindo o Brasil, onde é líder, permitindo que o nosso país finalmente pudesse aumentar o valor agregado do que foi para nós até agora quase que apenas uma commoditie, passando a marcar presença em todos os segmentos da cadeia produtiva de uma das maiores riquezas nacionais.