29 de jun. de 2011

A REPÚBLICA E OS MANDAMENTOS DO DIA

Seria conveniente que fôssemos ao indo-europeu, a fim de encontrar outras raízes etimológicas e com elas construir sinônimo para ética, tão gasto se encontra o vocábulo grego.

Aristóteles, ao tratar da sociedade, estabeleceu os fundamentos da filosofia da práxis (ou, seja, da vida ativa) em três idéias: a ética, a política e a economia.

Elas são, em sua evidência, os fundamentos do estado democrático. Mas, sem qualquer dúvida, a ética terá que ser o esteio em que as duas devam amparar-se.

Onde ética não existe, a política não é: trata-se apenas de um simulacro, uma aparência. Ainda que a aparência intua a realidade, ela não é a realidade, embora possa expô-la. Como disse Hoffmannsthal, o profundo se esconde na superfície.

A realização democrática é utópica. Como tudo na vida, a democracia é uma construção, um processo, com momentos mais felizes e momentos menos felizes.

Estamos vivendo momento curioso, no Brasil.

A economia vai bem, e muito bem, convenhamos, apesar dos pessimistas engajados.

Há menos de dez anos estávamos sob o signo do desalento, sendo fustigados por uma crise de credibilidade, dependurados no FMI e outros organismos internacionais, e o governo cavalgando uma quimera, híbrida da ilusão neoliberal com a arrogância de seus dirigentes, a começar pelo chefe.

O presidente Lula partiu para a solução menos elaborada, quase ingênua – de acordo com alguns analistas – mas, no caso, amarrada à ética: a da distribuição de parcela modesta da receita tributária às famílias mais pobres.

O resultado foi imediato: não só muitos dos que não comiam passaram a comer, e, assim estimularam a cadeia de consumo, como, nesse simples ato, obtiveram o senso da dignidade.

A ajuda do Estado não só lhes matou a fome, como os libertou dos oligarcas. Os empresários, tão empenhados em produzir para exportar, de repente descobriram vasto mercado que desprezavam, e desprezavam até mesmo ao pagar salários ínfimos a seus trabalhadores: o mercado interno.

A ética é o exercício radical de solidariedade. Essa solidariedade se exerce primeiro entre os da mesma nação, da mesma pátria. O mundo é dividido pelas fronteiras físicas, culturais e políticas. Por isso mesmo, a solidariedade começa na soberania nacional.

Temos que ser solidários primeiro conosco: com nossa família, nossos amigos, nossos compatriotas, para depois ampliarmos essa solidariedade ao continente e ao mundo.

Não basta aos governantes e seus agentes – como não basta aos cidadãos comuns – o exercício da solidariedade em medidas políticas coletivas. Ser solidário é também não desviar os recursos comuns da sociedade, mediante o peculato, a prodigalidade com os recursos públicos, o conluio entre a política e os negócios.

A presidente Dilma Roussef, a quem assiste o benefício de seus esforços em um quadro de dificuldades políticas gerais, não está conseguindo peneirar os conselhos que recebe.

Ainda que entendamos a urgência das obras públicas, que assumimos o compromisso de realizar, ao pleitear para o país a realização do campeonato mundial de futebol de 2014, é inadmissível aceitar que as licitações e contratos se façam em sigilo.

É muito mais importante saber quanto iremos gastar para reformar esse ou aquele estádio, do que conhecer os atos do Barão do Rio Branco, a fim de obter os êxitos diplomáticos que obteve, ao resolver os dissídios fronteiriços com os nossos vizinhos.

Por mais seja o nosso interesse sobre o passado distante, os acordos reais entre os estados, sendo negociados por seres humanos, estarão sempre cobertos, pelo menos no mais grave, pelo véu opaco do sigilo.

Jamais saberemos, exatamente, como atuou Alexandre Gusmão, a fim de obter o êxito extraordinário que obteve, ao impor aos espanhóis, no Tratado de Madri, o princípio romano do uti possidetis, ita possideatis, e, com isso, desenhar o mapa do Brasil de nosso tempo.

Nunca saberemos de que habilidades amorosas se valeu o Sargento-Mor Francisco de Mello Palheta, com o fim de conseguir de Madame d'Orvilliers, mulher do governador da Guiana Francesa, em 1727, as sementes que fizeram do Brasil o maior produtor de café do mundo.

Tanto em um caso, como no outro, a astúcia, se astúcia houve, foi decisiva para a construção do Brasil que conhecemos, e não é importante saber como fizeram esses nossos antepassados, mas sim o que obtivemos com seu desempenho.

O que ocorreu entre 1964 e 1979, em nossa forte contemporaneidade, ainda que não possa ser objeto de ação penal, deve ser de conhecimento público – mesmo que, em muitos casos, as fontes oficiais sejam fraudulentas, no que se refere às informações sobre os opositores ao regime militar.

Não é preciso levar os torturadores aos bancos dos réus, basta, para sua sanção moral, que sejam conhecidos e conhecidos os seus atos.

Enfim, voltando aos mandamentos do dia, estamos bem na economia, mas não estamos tão bem na regência política e falta ética em alguns setores dos Três Poderes da República, para que possamos avançar na construção democrática, mediante o controle do estado sobre a economia e a continuada redução das injustiças sociais.


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24 de jun. de 2011

AS GUERRAS INÚTEIS

Os Estados Unidos não aprenderam com as vicissitudes que o maior cuidado com os planos bélicos deve ser dedicado à retirada. Isso é tão importante no nível tático, nas batalhas e combates isolados, quanto na estratégia da guerra como um todo. O mesmo vale para os atos cotidianos da política, porque deve ser também a conduta da vida comum. Quando temos um projeto, podemos prever as suas dificuldades, e estabelecer a atitude a tomar, se ele não der certo.

A grande nação do norte é geograficamente inexpugnável, situada entre os dois maiores oceanos, com um forte aliado ao norte, o Canadá, e um débil e constrangido vizinho, o México, ao sul, mas isso não a torna invencível nos conflitos internacionais. O mito de seu poderio militar se funda na superioridade tecnológica, mas as armas, por mais potentes sejam, são um complemento do combatente. Mais poderosa do que os artefatos é a vontade humana. Foi essa vontade, transformada em bravura, que derrotou os norte-americanos no Vietnã e os soviéticos no Afeganistão. Na guerra iniciada em 1979, o Talibã e seu aliado, Osama bin Laden, contaram com todos os recursos norte-americanos – mas essa ajuda não foi decisiva para a derrota de Moscou. O que a decidiu foi a disposição dos afegãos para o combate, em defesa de suas terras áridas, feitas, em sua maior parte, de desertos e depressões, de altas montanhas rochosas, com poucas áreas férteis, algumas delas cultivadas de papoula, a matéria prima do ópio e de seu derivado, a heroína.

Os Estados Unidos sabem que não podem continuar no Afeganistão. Não fossem as dificuldades políticas internas, diante do poder de fato que domina o país - o famoso complexo industrial-militar, denunciado por Eisenhower há 50 anos – consolidado na escancarada aliança entre o Pentágono e Wall Street, e Obama determinaria o retorno imediato das tropas ao lar.

Mais uma vez, o Pentágono e o Departamento de Estado não foram capazes de planejar a retirada no momento certo, mediante a combinação dos atos militares aos entendimentos diplomáticos. O descompasso entre as duas instituições é antigo, nos Estados Unidos, e corresponde a uma usurpação de deveres: os diplomatas querem conduzir a guerra, e os militares pretendem impor as diretrizes políticas. Esse conflito sempre foi arbitrado pelos presidentes, quando os chefes de estado dispunham de real autoridade sobre a nação. Nesse momento, acuado pelo desemprego, pelas falcatruas criminosas dos banqueiros e pela rearticulação da extrema direita, Obama começa a perder todos os seus cabedais políticos. Está, a cada dia mais, parecido a Nixon, em seu declínio melancólico quando, obrigado a sair do Vietnã, e na ânsia da reeleição, teve que apelar para a operação frustrada – e denunciada pela imprensa – de Watergate.

Ao examinar os problemas da retirada depois de uma batalha perdida, Von Clausewitz, em seu clássico estudo sobre a guerra - Vom Kriege -, diz que a derrota em uma batalha (e a idéia pode ser ampliada à guerra completa) destrói mais a energia moral dos exércitos do que a sua energia física. E conclui o pensamento, ao afirmar que, a menos que as circunstâncias se invertam, uma segunda batalha terminará com a derrota completa, se não acabar na destruição definitiva do vencido.

O Secretário da Defesa, chefe nominal do Pentágono, Robert Gates, confirmou que já se iniciaram as conversações preliminares com o Talibã, e as justificou, dizendo que as guerras sempre terminam nos entendimentos políticos. Há dois reparos que podemos fazer a Gates. O primeiro é o de que as guerras seriam evitadas com as conversações políticas – e o governo Bush se recusou a conversar, não só com o governo dos talibãs, como se negou aos esforços de paz de Saddam Hussein, obstinado em invadir o Iraque, depois de dez anos de bombardeios de desgaste sobre o território. Para que tantos gastos militares, tanto sangue derramado, tantos jovens norte-americanos mortos, se, depois de tudo, a solução será política – repetindo-se o que ocorreu no Sudeste Asiático? O outro reparo é o de que, por mais volteios retóricos faça, ao procurar entendimentos com os talibãs, os Estados Unidos confessam que perderam a guerra. Uma guerra só é ganha quando obrigamos o inimigo a aceitar a nossa vontade. Isso não ocorreu no Iraque, onde a resistência continua firme, nem no Afeganistão, onde os talibãs, a cada dia mais, obtêm apoio maior da população e maiores resultados militares.

Os Estados Unidos perderam outra guerra, e continuarão perdendo as que virão, até que o seu povo expulse os banqueiros e os generais do poder, que exercem mediante seus prepostos políticos.

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OS INDIGNADOS E A NOVA ÉPOCA

À insistência dos indignados espanhóis e catalães, e à continuidade das manifestações das massas nos países árabes, somam-se agora protestos, ainda discretos, de trabalhadores chineses. As contradições do capitalismo – mesmo subordinado ao Estado – começam a surgir no grande país, o maior fenômeno da sociedade industrial dos últimos tempos. Estamos diante de inevitável mudança.

Plutarco atribui a Pompeu Magno uma frase que, repetida por Ulysses Guimarães, foi emblemática no processo de transição política nacional: navigare necesse est, vivere non est necesse. A máxima do grande general escapou da circunstância, para se tornar forte símbolo da política. Ela nos incita a resistir. A vida, qualquer vida, é um processo de resistência, e mais ainda na política.

Segundo a versão, Pompeu que se encarregava de duas missões cruciais para Roma – a de limpar o Mediterrâneo dos piratas e, assim, assegurar o suprimento de cereais à grande cidade – incitou os marinheiros que, no porto de Siracusa, na Sicília, se recusavam a levantar velas, a embarcar e seguir. O céu estava carregado de nuvens sobre o estreito de Messina, a mais arriscada passagem marítima da Antiguidade. Obrigou-os a partir com a admoestação de que navegar era mais importante do que viver. Em Roma esperavam o trigo. Por isso, tinham que vencer o medo e as tempestades. Não há registro histórico de que aquelas naves tenham naufragado entre os rochedos e as correntes circulares do estreito. Chegaram, assim, ao porto de Óstia.

É forte a metáfora da navegação para explicar a vida e, especialmente a vida política. Governar é pilotar, manobrar o timão da nave, evitar os escolhos e as ondas perigosas, manter a disciplina no barco – enfim, chegar ao destino. Dessa forma devem proceder os indivíduos e as nações, embora as sociedades políticas sejam muito mais complicadas do que um barco, menor ou maior. É preciso buscar o equilíbrio entre a liberdade e a ordem, entre o Estado e a sociedade, entre a autoridade e o indivíduo. Trata-se de equilíbrio precário, com os pratos da balança oscilando a cada dia, em cada momento. Os sistemas de poder, mundiais e nacionais, costumam durar pouco, na História, que não aceita situações permanentes, embora isso não pareça aos contemporâneos de cada tempo.

As épocas saem umas das outras, como as bonecas russas. Não há rupturas absolutas. O Renascimento veio da Idade Média, como a Idade Média viera do Império Romano. O Iluminismo, a mais recente revolução histórica, não existiria sem o Renascimento, que lhe abriu as portas da percepção burguesa, para ficar na melhor interpretação marxista. Mas o Iluminismo está pedindo, agora, que de seu ventre venha nova época. Como época, em grego, significa intervalo, pausa, o Iluminismo – não obstante os processos internos de sua evolução - foi momento de relativa calma na longa história do homem. Mas iniciou sua decadência no alvorecer do século 20. Pouco a pouco, esgotou-se a capacidade intelectual que o fizera surgir. Salvo nas ciências exatas, que assombram o mundo com o seu poder inovador, a capacidade revolucionária do Iluminismo parece esgotada com Marx. Depois dele, só tivemos os que analisam o filósofo de Trier, seja para aceitá-lo, seja para repudiá-lo, mas não há pensamento novo que retorne à criatividade filosófica dos enciclopedistas e seus sucessores imediatos.

Esse é o desafio de nosso tempo. Os confrontos entre a prosperidade e a preservação da natureza; entre a babel libertária que significa a internet, e as ortodoxias, políticas ou teológicas; entre o mercado destruidor, e o necessário arbítrio regulador do Estado, além de outros, exige esforço de inteligência, do qual parecemos incapazes.

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17 de jun. de 2011

O FUNDAMENTO DA LIBERDADE

O STF autorizou as manifestações de sábado próximo, em favor da legalização do uso da maconha. Manifestações em defesa do homossexualismo já se tornaram banais, no Brasil e no resto do mundo. Esses movimentos chocam muitas pessoas, sobretudo as mais velhas, que viveram um mundo muito antigo, o que existia até a primeira metade do século passado. Há menos de cem anos, o homossexualismo era punido a chibatadas em vários países do Ocidente, mas também a chibatadas eram punidos os que se levantavam contra as injustiças, como ocorreu, em 1910, nos navios ancorados no Rio. O episódio levou à desesperada revolta dos aviltados, o que fez de um marinheiro negro, João Cândido, o mais poderoso almirante da historia do Brasil, durante algumas horas.

A visão radical da liberdade de ser não pode admitir quaisquer constrangimentos ao indivíduo, naquelas decisões que só a ele interessam, desde que ele esteja consciente de sua escolha. Drogar-se é uma opção pessoal – e não só com maconha. Combater o tráfico de drogas é dever do governo. A razão recomenda regulamentar a produção e o comércio das drogas, sem, no entanto, deixar de combater o seu uso, com o emprego de outros instrumentos, que não os da repressão policial. O consumo de fumo caiu substancialmente no Brasil, depois de algumas medidas dissuasórias, entre elas a interdição da propaganda que o incitava, e a ação educativa do governo que o combatia. Há, sem embargo, que encontrar soluções engenhosas, no combate ao consumo de drogas que dizimam as crianças pobres, como o crack e o oxi. É possível encontrar sucedâneos que provoquem as mesmas sensações, sem os efeitos que destroem o organismo.

O mais importante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal é a associação, reconhecida pelos juizes, da liberdade de consumir maconha – que muitos consideram menos danosa à saúde que o tabaco – à liberdade de expressão. Nos últimos anos, sob o argumento da defesa das minorias, ponderáveis grupos da sociedade ficaram constrangidos de expressar a sua própria opinião. Sem julgar o que pode ser considerado certo ou errado, a liberdade de manifestação do pensamento é a de permitir a difusão de quaisquer idéias, desde que não incitem ao crime. Deve ser livre a manifestação tanto contra o uso de drogas, quanto em seu favor. Os heterossexuais, se se sentirem a isso compelidos, também devem ser autorizados a defender o que consideram ser o relacionamento íntimo normal entre as duas identidades humanas. Mas é conveniente também suspeitar que estimular determinadas manifestações populares significa evitar outras. A ordem de domínio é sagaz: substitui as revoluções políticas pelas revoluções dos costumes. É também de sua solércia construir caminhos de diversão – de fuga, em suma -, ao promover a alienação política, mediante o afrouxamento moral e o estímulo às crendices. Até mesmo a literatura que, a pretexto da auto-ajuda, açula o egoísmo, serve a esse propósito, ao acenar que a salvação é individual, e não coletiva. A ação política é substituída pela passividade da ascese.

Não é somente a religião – em leitura apressada de Marx – que constitui o ópio do povo. Ao aceitar essa idéia que, convenhamos, não foi exatamente o pensamento do filósofo, teríamos que aceitar a sua antítese: a de que as drogas são – ao nos afastar da dura realidade do sofrimento e da frustração – a religião dos atormentados.

É bom que as ruas das grandes cidades brasileiras se encham dos que desejam, ao mesmo tempo, o direito de usar maconha e o da livre manifestação de pensamento, de qualquer pensamento. Mas seria conveniente que as ruas se povoassem também dos que não podem admitir o retorno das privatizações, entre elas as dos aeroportos, que poderão ser administrados por estrangeiros, e daqueles que não concordam com o poder que as agências reguladoras de atividades estratégicas têm sobre o Estado e a sociedade nacional. Não seria mal, tampouco, que todos os que assim quisessem, fossem às ruas, a fim de exigir a punição dos peculatários e de alguns juízes que, sem constrangimento, votam contra a lógica do direito e a razão da ética. Felizmente parece que podemos contar com a maioria do STF, mas o Supremo só pode manifestar-se em certos casos, quando estão em jogo os direitos constitucionais – entre eles o da liberdade – e os interessados conseguem chegar à sua porta.

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14 de jun. de 2011

A ITÁLIA DISSE NÃO A BERLUSCONI

A derrota de Berlusconi, na consulta plebiscitária, apesar da crescente impopularidade do primeiro ministro, trouxe duas surpresas. A primeira delas foi o comparecimento que, superando o patamar constitucional de 50%, validou a consulta, e a segunda, a derrota das decisões do governo pela inédita maioria de 95% em média, nas quatro questões propostas. Como se sabe, há 16 anos não se obtinha o quorum mínimo para anular uma lei ou decisão governamental.

Ainda que, do ponto de vista da atualidade política, a massacrante vitória da oposição seja a da não imunidade (melhor, não impunidade) de Berlusconi e de seus ministros, os outros pontos da consulta golpeiam fundo os postulados do neoliberalismo, sobre os quais Berlusconi estabeleceu o seu poder. O povo disse não à acelerada privatização da água, fechando o passo à ampliada exploração dos recursos hídricos pelas sociedades capitalistas, algumas delas provavelmente estrangeiras, da mesma forma que se manifestou contra a energia nuclear.

Embora tenha perdido, por duas vezes, a chefia do governo para a esquerda, é inegável que a vida política italiana se desenvolveu, desde 1964, quando o poderoso e suspeitíssimo empresário ganhou sua primeira eleição, em torno de Berlusconi. Não se discutiam os projetos de governo, nem os fundamentos ideológicos da esquerda. A vida política oscilava entre os berlusconianos e a esquerda. E Berlusconi administrava os interesses mafiosos do sul com os altos interesses empresariais do Norte, reunidos em torno da Lega Lombarda, de inspiração separatista e neofascista.

O populismo é uma velha doença italiana, e tem suas raízes na velha república romana. Tratou-se de astucioso expediente dos patrícios, o de permitir o surgimento de movimentos dessa natureza, a fim de servir de alívio ao inconformismo das massas – até certo ponto. Houve, no entanto, tanto à esquerda, quanto à direita, movimentos de alguma densidade, vencidos fosse pelas armas, fosse pela reação do próprio povo. O fascismo de Mussolini foi um desses movimentos, mais sério pelas condições históricas que favoreciam a ascensão da direita, e também pela formação intelectual e ideológica do duce, filho de um trabalhador socialista e de algumas letras, que lhe deu o nome de Benito em homenagem a Juarez, o revolucionário mexicano. Juarez morrera onze anos antes do nascimento do líder italiano. É imensa a distância entre Mussolini e Berlusconi, o que dá razão a Marx: as coisas ocorrem primeiro como tragédia e, mais tarde, como farsa. Ainda que para Croce, Mussolini não passou de um “palhaço”, a quem o rei entregara o poder, o duce era discreto em seu comportamento pessoal e protegido pelo sistema totalitário, que preservava a sua privacidade.

A derrota de Berlusconi é uma oportunidade para que os democratas de esquerda encontrem um projeto comum de poder. Eles devem partir da dura realidade de que não foi o comportamento debochado de Berlusconi que promoveu a sua queda de popularidade e, provavelmente, o expila do governo daqui a uma semana. O seu desprestígio é resultante da terrível situação econômica do país, que, por sua vez, se deve ao neoliberalismo que está em dramática decadência em todos os países que o inventaram e nos quais os governos o sustentaram, dos Estados Unidos à Grécia, passando pela França de Sarkozy, a Espanha de Aznar e Zapatero, a Itália do trêfego Berlusconi. A Itália e os seus vizinhos só terão estabilidade política se avançarem nas reformas, algumas delas sinalizadas pelo referendum recentíssimo. A esmagadora maioria dos italianos optou por mais estado e menos mercado, por mais empregos e menos lucros das empresas privadas. Mas a esquerda, em nosso tempo, tem atuado como se o seu caminho ao poder tenha que passar necessariamente pela direita.

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12 de jun. de 2011

A BANDEIRA DE PESSANHA

Os que quiserem, desacreditem. Prevenido, como sou, contra as ilusões da certeza, acho que aceitarei o convite de Hermínio, e irei ao Riachinho no dia 20 de outubro, data em que, segundo seus cálculos, voltará a passar, pelo Val do Jumento, a bandeira perdida de Diogo Pessanha Moniz.

São fugazes as referências documentais sobre bandeiras que não fundaram cidades, nem voltaram. Constituídos de aventureiros menores, muitas vezes sem o consentimento das autoridades, reduzidas em seus recursos, esses grupos partiam de São Paulo sem festas de despedidas e sem cartas d’El Rei; recorriam sendas normalmente inviáveis, ladeando rios difíceis e os cruzando, com perdas humanas, quando se sentiam impelidos a isso, na preação de índios e outros quefazeres. Delas, talvez a de menos propósito tenha sido a de Diogo Pessanha. Uma carta, trazida dos arquivos do Conde de Tuy, revela a frivolidade da empresa. Quem a assina é uma cunhada do chefe da expedição, mulher de Antonio Ramalho Pessanha. Pela mensagem se sabe que Diogo juntara o que havia de pior entre as pessoas sem qualidade da vila, e se embrenhara pelos sertões do Norte, nas semanas da quaresma de 1684. Galhofeiro e blasfemo, levava, como estandarte, uma camisola vermelha, que dizia ter pertencido a um dos primeiros jesuítas do Planalto, e sobre quem pairavam suspeitas de passiva sodomia. Acompanhava-o um séquito sórdido. Como lugar-tenente, levava o judeu renegado Mertins, que se atribuía os poderes da Cabala, e de quem se dizia, à boca pequena, ter enforcado a mãe, na vila de Óbidos, antes de vir para as terras brasileiras. Há também referência a um corcunda de mãos quentes, capaz de cozinhar uma perdiz em poucos minutos, desde que a mantivesse sob o agasalho de suas palmas e dedos. A expedição, de acordo com o diário, escrito por Mertins, e deixado no arraial do Tamanduá, atravessou a Mantiqueira no princípio de maio, depois de haver buscado trilhas de índios, que não de brancos, entre Taubaté e Sorocaba. Dela há sinais de passagem em todas as Minas, nos últimos trezentos e tantos anos, porque, marcada por singular e ainda desconhecida maldição, foi condenada a vagar, mesmo depois de mortos seus integrantes, pelos sertões pejados de ouro e de pedras preciosas, de índios e de piscosas lagoas.

Hermínio, latinista, homeopata, rosacruz e maçom dissidente do rito escocês, está levantando todos os dados, e pretende escrever alentada memória sobre o assunto. Em 1791 houve notícias da bandeira de Diogo Pessanha na estrada de Ouro Branco. Um padre e seu moleque, idos das Congonhas, encontraram-na em pleno dia, com alguns de seus homens esfolando um macaco. Blasfemos, como eram, haviam amarrado o animal a uma cruz, e lhe arrancavam a pele, com facas afiadíssimas, e cortavam bifinhos que se repartiam. O corcunda, ao lado, fritava-os na concha das mãos. O macaco, já sem forças, gemia e chorava. Com aquela visão, o sacerdote enlouqueceu, mas o moleque, que ainda guardava, da África de seus pais, certas suspeitas, narrou o fato ao vigário da Capela do Pilar. O pároco lhe impôs segredo, - mas deixou constância do ocorrido em papel solto entre as páginas do Livro de Batismos.

Hermínio rastreou a bandeira por estes três séculos, e dela teve sinais no Bonfim e nos dois lados do Rio das Mortes; nas Minas da Campanha, do Sabará, do Jequitinhonha, no Desemboque e em Paracatu. Na última cidade, e na sede de fazenda adquirida recentemente por um amigo do pesquisador, foi encontrada arca de couro com objetos pertencentes a um tal Pessanha. Segundo Hermínio, que os examinou, tal como os cometas, a bandeira perdida de Diogo Pessanha volta, de 30 em 30 anos, ao mesmo caminho. No dia 20 de outubro, que vai dar em uma quinta-feira, estaremos em Val do Jumento, à espera de Diogo. Se ele não passar, paciência. Não faltará a boa cachaça das redondezas.

A SOBERANIA, O STF E O CASO BATTISTI

A decisão do STF, ao não permitir a intromissão do governo italiano em assuntos internos brasileiros, transcende a personalidade de Césare Battisti. Ainda que ele fosse o monstro que seus inimigos dizem ser, ainda que seus crimes fossem – como afirma o governo italiano – de reles latrocínio, a decisão de negar sua extradição é de estrita soberania brasileira. O Tratado de Extradição, com todo o respeito pelo advogado Nabor Bulhões, que representa a Itália, e é um dos mais respeitados profissionais de nosso País, prevê, claramente, que cabe à parte requerida considerar se os crimes cometidos são, ou não, políticos. O Presidente Lula, depois de ouvir seus assessores jurídicos – o que seria dispensável, diante da clareza do texto do acordo, decidiu negar a extradição. O Presidente agiu conforme as suas prerrogativas constitucionais. O Supremo, sem embargo disso, e diante de certas dúvidas, esperou a chegada de mais um membro do colégio julgador para, enfim, reconhecer o óbvio, e, na preliminar, não acatar o governo italiano como parte no pleito. O artigo III do Tratado relaciona os casos em que “a extradição não será concedida”, e a letra “e” estabelece um deles: “se o fato, pelo qual é pedida, for considerado, pela parte requerida, crime político”. A parte requerida, o Brasil, pela mais alta autoridade do Estado, considerou os delitos de Battisti como políticos. Logo, não há o que se discutir.

As nações, como as pessoas, não podem transigir em questões de princípio, como as de sua absoluta autodeterminação em assuntos internos. É da tradição imemorial dos estados o direito de admitir a presença de qualquer estrangeiro ou negá-la, sem dar razões de seu arbítrio. O governo italiano tem negado a admissão de cidadãos brasileiros em seu território, sem ficha criminal alguma, e de forma violenta, sem dar as razões de sua recusa. O nosso governo não lhe nega tal direito, embora reclame da forma desumana com que as autoridades italianas e de outros países europeus tratam os cidadãos portadores de passaportes brasileiros. As fronteiras nacionais são como os muros de nossa casa. Quando recebemos nela um hóspede, não temos por que explicar aos vizinhos as nossas razões. Podemos, é certo, impor-lhe algumas restrições, como as impusemos a Battisti, pelo fato de entrar em nosso país com um passaporte falso. Mas como sabem todos os que passaram pela perseguição política, os documentos falsos são, muitas vezes, a única saída. Lembro-me do desabafo de um exilado português que, viajando da Romênia para a Hungria – paises então socialistas – ao apresentar seu passaporte, ouviu do policial a recusa, sob o argumento, verdadeiro, de que o passaporte era falso. O português retrucou, no ato: “você queria que ele fosse verdadeiro?”

Por esse ato, necessário nas circunstâncias, Battisti foi preso há quatro anos, antes que o governo italiano reclamasse a sua extradição. Não porque seja inocente ou culpado, mas pelo fato de que, soberanamente, não queremos entregá-lo para o cumprimento de prisão perpétua, em condições particularmente difíceis, outra decisão não poderia ter tomado o STF em seu julgamento de ontem.

E há mais: nunca a dignidade do Brasil se viu tão ofendida por um governo estrangeiro, como ocorreu nesse episódio. Membros do gabinete de Berlusconi, - que como sabemos, é um respeitável, probo e casto senhor - chegaram a insinuar que somos uma nação de mulheres vagabundas e de juristas de faz-de-conta.

Terminado o julgamento, com o não conhecimento da Reclamação do governo italiano, o STF encaminhava-se para o entendimento de que Battisti deveria ser beneficiado com o alvará de soltura ainda na noite de ontem. Esperemos que essa soberania, ontem reafirmada, se robusteça e se reafirme em outros assuntos.

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6 de jun. de 2011

O PERU NA ENCRUZILHADA

O Peru é o mais enigmático dos nossos vizinhos. Alguns de seus intelectuais, dos mais vigorosos da América Latina, foram dos primeiros a “pensar” as contradições de nossos povos. José Carlos Mariátegui se distinguiu como o mais importante marxista do continente, ao examinar as contradições de seu país, com seus Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana. Romancistas como Ciro Alegria, de “El Mundo es ancho y ajeno”, José Maria Arguedas, autor do vasto painel de “Los Rios Profundos” e, mais recentemente, Vargas Llosa, com “Conversación en La Catedral”, não são menos importantes. Eles mostram a humanidade sofrida - rica em história, marcada pela dupla identidade, indígena e européia, além da ponderável presença negra e asiática - da inquieta nação amazônica e andina.

O Peru foi o primeiro país a ensaiar, com Victor Haya de La Torre, o sonho do socialismo. Seu partido – Aliança Popular Revolucionária Americana – fundado no México, em 1924,propunha ação internacional em toda a Indoamérica, ou seja, em todas as nações do continente, do México ao Chile, que ainda mantinham forte presença das populações autóctones da cordilheira. Haya de La Torre preferia ação mais moderada, enquanto seu companheiro de mocidade, o imenso autodidata Mariátegui, criava o Partido Comunista Peruano.

Nenhuma obra de ficção – com forte presença antropológica – foi mais poderosa na análise das contradições andinas do que a de José Maria Arguedas. Privilegiado por haver vivido na cordilheira e, durante algum tempo da infância, apenas com índios e mestiços, ele expõe, como nenhum outro autor latino-americano, o contraditório mundo dos altiplanos e encostas das grandes montanhas, com o conflito permanente entre a visão ameríndia da vida e aquela imposta pela cultura européia. Arguedas acrescenta à sua obra maior, Los Rios Profundos, novelas menores, mas nem por isso menos poderosas, sobretudo na denúncia do imperialismo norte-americano e do latifúndio, como Todas las sangres, e El zorro de arriba y el zorro de abajo, além de artigos jornalísticos e estudos de etnologia.

É este povo peruano que vai domingo às urnas. De um lado, o candidato de centro-esquerda, Ollanta Humala e, do outro, a filha do sanguinário, corrupto e entreguista Alberto Fujimori, que se encontra preso, condenado pela justiça de seu país. As últimas notícias diziam da inquietação do “mercado” (sempre os mesmos) com a possível vitória de Humala. Para os banqueiros e seus sequazes, o destino do país não importa. Não importa a democracia, com o estado de direito e a liberdade das pessoas, mas, sim, os lucros do capital financeiro.

Há uma semana, a vitória da filha de El Chino eram favas contadas. Diante do perigo de que Fujimori (como fazem os grandes narcotraficantes com seus negócios), viesse a governar o país a partir da prisão, e da possibilidade de que a filha conseguisse indultá-lo – houve uma súbita mobilização nacional. Pessoas sensatas, ainda que não de esquerda, como é o caso de Vargas Llosa, manifestaram-se a fim de evitar a tragédia política. Nas últimas horas, cresceu a esperança de que Humala vença o pleito.

O que é mais estranho na atualidade peruana é a atitude do atual presidente, Alan Garcia. Garcia herdou de Haya de La Torre o Partido Aprista Peruano, vindo da APRA, fundada por Haya de La Torre e que fora uma bandeira da unidade latino-americana sob um projeto de socialismo libertário.

A conversão de Garcia à direita, fenômeno muito comum entre os que se elegem pela esquerda e logo se entregam aos antigos adversários, faz, no caso do Peru, lembrar verso poderoso do maior poeta do país, o comunista César Vallejo, em poema escrito em 1937:

Acaba de pasar,

sin haber venido.

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2 de jun. de 2011

O PREÇO DA ESTABILIDADE

Princípio de filosofia moral recomenda não separar os meios dos fins: o meio faz parte do fim. Em suma, o caminho é, em si mesmo, o destino. O cinismo político parte da posição contrária: na busca pelo poder, ou na luta pela sua manutenção, todos os meios se legitimam. Daí a mal chamada ética da responsabilidade, que celebrado sociólogo, no exercício da presidência da República, defendeu, ao citar Weber em aula magna – emblematicamente proferida em um hospital para médicos e enfermos. A ética repele adjetivos; é ou não é. Naquele governo não foi, mas o presidente era o enfant gâté dos aristocratas e banqueiros, nacionais e internacionais, e seus vícios – como as privatizações, que fizeram fortunas imensas – foram convertidos em virtudes pelos seus áulicos e beneficiados.

A política é, e sempre será, o confronto entre uma posição e a outra: entre os que, em nome da ética, consideram os fins como o prolongamento dos meios, e os que, na apologia do realismo político, justificam os vícios dos meios como construtores de hipotética virtude final.

O governo, para a preocupação de todos os brasileiros sensatos, está a caminho de uma crise política, que pode ser vencida rapidamente ou conduzir a resultados indesejáveis. A presidente da República se encontra em um labirinto que as circunstâncias levantaram em torno de seu gabinete. Os compromissos, naturais e inevitáveis, assumidos durante a campanha, não lhe permitiram usufruir das prerrogativas constitucionais de escolher livremente os seus ministros. Teve que atender aos partidos que constituem a maioria parlamentar, nesse regime teratológico de que padecemos, que não é presidencialista, parlamentarista, ou congressual - como o dos Estados Unidos - mas sim, de promiscuidade entre o três poderes. Fala-se muito em reforma política, embora sempre se pense em reforma eleitoral, mas ela não se fará sem que ocorra uma revolução, não necessariamente violenta, mas a cada dia mais provável.

Os homens públicos devem partir do princípio de que o mandato não é um negócio que enriqueça, mas um serviço que deve ser compensado com subsídios decentes. É um erro considerar elevada a remuneração dos altos servidores do Estado, em qualquer um dos poderes; por mais altos fossem – e não são - onerariam menos o povo do que os custos históricos da corrupção. E é erro ainda maior permitir que parlamentares exerçam – como mais de duzentos o fazem - determinadas atividades durante o seu mandato. Um médico poderá manter a sua clínica, assim como um jornalista continuar assinando a sua coluna, ou um arquiteto a riscar os seus projetos, desde que não o façam para o setor público. Mas é evidente que um parlamentar, sobretudo quando conhece os segredos de Estado, não pode ser consultor de empresas, de quaisquer empresas, como centenas o fazem, convém repetir. Mesmo que seus clientes não sejam do setor público, os seus conselhos, fundados na experiência de servidor da República, constituem vantagem competitiva que, embora não prevista nas leis, configura concorrência desleal no mercado.

A estabilidade política, em qualquer país, está acima da inocência ou do pecado. A história dos povos registra momentos em que a ingenuidade construiu crises, e outros, nos quais a delinqüência era evidente para conduzir à queda dos governos. É bom recorrer sempre à advertência de Richelieu de que os Estados, sendo instituições temporais, não gozam do privilégio divino da salvação eterna: eles podem perder-se em um minuto, vítimas de decisão equivocada do soberano.

É inimaginável que homens públicos responsáveis, inocentes ou não, se recusem a deixar qualquer cargo, quando a sua permanência coloca em risco o governo e os interesses soberanos da República.


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1 de jun. de 2011

URGÊNCIA NA AMAZÔNIA

Se os estados amazônicos são incapazes de impor a lei nos territórios de sua jurisdição, cabe ao governo federal neles intervir, como prevê a Constituição e aconselha a necessidade de que se salve a República.

O que está ocorrendo no Pará e em Rondônia é um desafio aberto à sociedade brasileira. Jagunços, a serviço dos grandes proprietários (o chamado agronegócio) e dos devastadores das matas para a exploração das madeiras nobres e o fabrico de carvão, estão matando, impunemente, pequenos lavradores e líderes extrativistas, que se opõem aos crimes cometidos contra a natureza e defendem suas pequenas posses contra os grileiros. Não cabem eufemismos nem subterfúgios. A realidade demonstra que os mandantes contam com a cumplicidade explícita de algumas autoridades locais, não só do poder executivo como, também, do sistema judiciário. E, ao lado dos pistoleiros, atuam parcelas da polícia militar e civil da região.

Se houvesse dúvida dessa teia de interesses que protegem os criminosos, bastaria a manifestação de regozijo de parte dos parlamentares da bancada ruralista e de sua claque, quando, no plenário da Câmara, se ouviu a denúncia dos assassinatos mais recentes, feita pelo deputado Zequinha Sarney.

A repetição dos assassinatos no campo é, em si mesma, intolerável afronta à sociedade brasileira, em qualquer lugar que se dê. Mas, no caso da Amazônia, é muito mais grave, porque ali se acrescenta a questão da soberania nacional. A inação do Estado alimenta a campanha que, nos países europeus e nos Estados Unidos, se faz contra a nossa jurisdição histórica sobre a maior parcela da Hiléia, sob o argumento de que não temos condições de exercê-la e mantê-la. Se não somos capazes de impedir o assassinato da floresta e de seus defensores, os que cobiçam as nossas riquezas se sentirão estimulados a intrometer- se em nossos assuntos internos, sob o estribilho que precedeu a invasão de muitos países, o da defesa dos direitos humanos.

Há décadas que vozes sensatas têm clamado para que a questão amazônica seja vista como a mais exigente prioridade nacional.

O Brasil é convocado a ocupar a Amazônia – ocupar, mesmo, embora sem destruí-la – criar sistema eficiente de defesa das fronteiras, proteger sua população civil e promover o desenvolvimento sustentado da área.

Trata-se de uma guerra que estamos perdendo, porque não a enfrentamos como é necessário. As nossas Forças Armadas, destacadas na região, lutam com todas as dificuldades. Faltam- lhes equipamentos adequados às operações na selva e nos rios; os contingentes não conseguem ocupar todos os pontos táticos e estratégicos da região e, em alguns casos, não há suprimentos para a manutenção das tropas.

Nos últimos vinte e cinco anos, de acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra, 1.581 ativistas foram assassinados na luta contra grileiros, agronegocistas e madeireiras – a imensa maioria na nova fronteira agrícola do Norte.

Não bastam as declarações do governo, nem a convocação de grupos de estudos. O bom-senso indica que o governo federal terá que convocar as três forças nacionais a fim de ocupar a Amazônia, identificar e prender os criminosos e mandantes.

É crucial criar sistema de controle da exploração madeireira e de outras riquezas, o que hoje é fácil, graças ao GPS, ao monitoramento de caminhões por satélite e outros instrumentos eletrônicos.

Há centenas de brasileiros, ameaçados de morte, porque estão fazendo o que não fazem as autoridades locais: defendem a natureza e a soberania do Brasil sobre os seus bens naturais e a vida dos indígenas e dos caboclos, reais desbravadores da região.

Para que não sejamos obrigados a uma guerra externa, contra prováveis invasores estrangeiros – que aqui virão em busca dos recursos naturais que lhes faltam – temos que travar e vencer a guerra interna contra os bandidos, pistoleiros e os que lhes pagam.

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https://www.defesa.gov.br/phocadownload/arquivos_resenha/2011-06-01/2.jb%20-%2001%20jun%2011.pdf

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