9 de mar. de 2011

DAS GUERRAS CIVIS MUNDIAIS

O físico e filósofo alemão Carl Friedrich Weizsäcker foi personalidade enigmática do século passado. Pertencente à alta nobreza germânica, ele se destacou, ainda muito jovem, como companheiro de Heisenberg nos estudos do núcleo atômico. Em 1938 começou a empenhar-se nos estudos teóricos para a fissão nuclear com fins militares. Em 1939, como discípulo de Heisenberg, Weizsäcker participou de encontro com o estado-maior alemão, quando já se sabia como enriquecer urânio, e se decidiu pela produção da arma. No ano seguinte, o projeto se interrompeu, segundo ele mesmo diria, por obra da graça divina: a Alemanha, já em guerra, não dispunha dos recursos necessários. Há, também, a informação de que Weizsäcker e seus companheiros não estavam entusiasmados com a idéia de dar aos nazistas a arma do juízo final. Apesar disso, ele é um dos cientistas citados por Einstein, como empenhado em produzir a bomba, na carta enviada ao presidente Roosevelt, que levou os Estados Unidos ao Projeto Manhattan.

Weizsäker se tornou, depois de passar algum tempo detido pelos ingleses, notório pacifista. Em 1957, como professor de filosofia em Hamburgo, foi um dos 18 signatários de um documento contra o armamento atômico da Alemanha Ocidental. Weizsäcker nos interessa, neste momento, como filósofo político. Coube-lhe criar duas palavras em alemão que se tornam atualíssimas nestes dias de rebelião nos paises árabes. Uma delas é Weltinnenpolitik, que pode ser traduzida como política interna mundial, e a outra, com a mesma expressividade, é Weltbürgerkrieg, guerra civil mundial.

Weizsäcker pensava no século 20, e considerava a Primeira Guerra Mundial como o início dessa guerra civil planetária, que se prosseguiria com o conflito de 1939-45 e as guerras localizadas que se seguiram. Mas a teoria de Weizsäcker é intemporal. Quando há modo de viver que se torna comum a muitos paises, mediante as informações circulantes, a política interna dos estados nacionais recebe, de uma forma ou de outra, sua influência. É assim que, com mais, ou menos, intensidade, forma-se o que podemos chamar de “política interna mundial”. Esse modo de viver, durante o Império Romano, foi substituído pelo cristianismo, ao se tornar triunfante. Aos pensadores da Igreja coube desfazer os padrões ideológicos antigos, e manter, na Idade Média, o domínio político da Europa, mediante o entendimento precário entre os papas e os reis.

Os observadores políticos e diplomáticos talvez se equivoquem, ao analisar os episódios que se iniciaram na Tunísia e se repetem em todos os países da região. E os norte-americanos e europeus talvez se equivoquem ainda mais, ao incentivar os movimentos - que já se identificam como revolucionários - naqueles países. Ainda não conseguiram deixar o Iraque e o Afeganistão com honra, e já se metem no Norte da África.

O modo de viver, no mundo de hoje, é o do american way of life, baseado no consumo desmesurado de energia e no hedonismo. Dependentes do petróleo alheio, não podem dele privar-se, antes que encontrem um sucedâneo do mesmo custo e desempenho. Por isso se inquietam. As rebeliões, nesses paises árabes – todos eles seus servidores até agora – não lhes prometem tempos melhores. Mas sua intervenção militar contra Gadafi – ou em qualquer outro país da região – será apenas a ampliação de seus problemas. Gadafi, por sua vez, está pagando o preço de sua genuflexão recente. Passou a ser inservível.

As rebeliões árabes se fazem contra a desigualdade e contra os governantes larápios. A internet lhes possibilitou conhecer um pouco da verdade. Onde houver internet, desigualdades, desrespeito aos direitos humanos, e governantes corruptos, há sempre a possibilidade de dias e meses de ira, com conseqüências históricas imprevisíveis.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Mauro, vim aqui por outro motivo que nao comentar esse presente artigo e suim um outro que me deixou mto impressionada ante a lucidez, a construção do seu raciocínio e a genialidade com a qual em um artigo voce critica o tal engenheiro Aleluia pelo vergonhosa tentativa de insercao na premiaçãop do Lula pela Universidade de Coimbra. caramba. Momento que da orgulho de ser brasileira e de ter contemporaneidade com pessoas como voce. Parabens!!!