28 de fev. de 2012

A QUEIMA DO ALCORÃO E OS MANDAMENTOS DA PAZ


(JB) - A queima, ainda que tenha sido acidental, de exemplaresdo Corão por soldados norte-americanos no Afeganistão, talvez tenha sido o mais grave problema paraos Estados Unidos, desde a invasão do país. Os homens não podem viver semalguma fé e, nesse raciocínio, a negação de Deus é, em si mesma, manifestação de crença. A fé é inerente aoespírito do homem, como o sangue ao corpo. O Ocidente pode, com seuracionalismo, negar a sabedoria do Livro Sagrado dos muçulmanos, da mesma formaque há os que negam importância transcendental à Bíblia e aos livros dasreligiões asiáticas – mas não convém desprezar a fé alheia.
Se há uma religião que, ao longo daHistória, teve conhecida tolerância para com as crenças alheias, foi amuçulmana. A Espanha medieval é disso uma prova. Judeus, cristãos e muçulmanospuderam viver em paz na Andaluzia islâmica, apesar da hostilidade entre osestados católicos e o Crescente. Tal como ocorre em nossos tempos, o quedeterminava a paz e a guerra eram os interesses do poder.
Os muçulmanos têm um grande respeito pelos povos do Livro, ou seja, da Bíblia, mesmo porque se consideram provindos da mesmaraiz hebraica. É inimaginável que venham a queimar as Escrituras Sagradas. Nãoé a primeira vez que essa afronta é cometida pelos norte-americanos. Se ossoldados agiram sem a intenção da ofensa (o que parece improvável), outro foi opropósito de episódios anteriores. Em setembro de 2010, o pastor protestanteTerry Jones anunciou o seu projeto de promover a queima de exemplares do livroem todo o território americano. Houve protestos, e ele prometeu que não ofaria. Mas, em março do ano passado, em sua igreja de Gainesville, na Flórida,promoveu o julgamento do livro e -considerando-o culpado pela queda dasTorres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 - queimou um exemplar, durante dezminutos, sob o aplauso frenético de seus fiéis.
O momento é difícil para os Estados Unidos (epara Obama, que disputa a reeleição este ano) e seus aliados no mundo inteiro.A desastrada intervenção na Líbia, no ano passado, está sendo avaliada peloscomentaristas internacionais como um grande erro. Sob a mentira de quedefendiam os direitos humanos naquele país, os europeus, sob as ordens deWashington, e o apoio de mísseis norte-americanos, arrasaram a nação árabe, e cometeram crimesmuito mais estúpidos dos que se atribuíam a Kadafi. Os que caçaram e mataram olíder líbio, da forma que o fizeram, sob os aplausos histéricos da Sra. HillaryClinton, continuam a matar todos os que podem. Os negros, que viviam etrabalhavam na Líbia, sob a proteção do Estado, estão sendo escorraçados emortos como bichos pelas tropas do frágil governo de transição. Há cidades quese organizam para defender-se dos novos donos do país.
E temos a situação da Síria, em queislamitas e cristãos convivem, sem atropelos, da mesma forma que no Líbano. OsEstados Unidos estimulam uma intervenção militar no país, com a mesma desculpada defesa dos direitos humanos. Relatório recente de observadores da ONUdenuncia que os opositores ao regime cometem as mesmas atrocidades atribuídasàs tropas de Assad. E, na mesma região, encontra-se o Irã. Uma pergunta se faznecessária: devemos e podemos invadir um outro país, a fim de impor, ali, aordem que nos parece melhor? A paz entre as nações repousa nesse princípioelementar, o da autodeterminação de seus povos e, em conseqüência, da nãointervenção, seja a que pretexto for.
Essa doutrina foi admiravelmente resumida porBenito Juarez, o grande líder mexicano, como resposta aos que lhe pediramperdoar Maximiliano, que invadira seu país e se proclamara imperador: el derecho ajeno es la paz.
Como se sabe,Maximiliano comandou tropas expedicionárias européias, apoiadas por traidoresinternos, que pretenderam assenhorear-sedo México, a fim de cobrar dívidas, e foram vencidas pela resistência comandadapelo índio Juarez, que prendeu,julgou e mandou fuzilar o invasor em Querétaro, em 1867. Se cada povo pudessedecidir, ele mesmo, seus problemas internos, as guerras seriam mais difíceis.
Há várias formas de ingerência, e a América Latinaconhece algumas delas, incluídos os golpes sistemáticos, ao longo da História,insuflados, financiados e comandados pelos Estados Unidos – além da intervençãodireta dos marines. Os tempos mudam,e não parece que Washington se disponha a correr riscos maiores nessa fase dahistória do mundo. De qualquer forma, se queremos manter inviolável nosso território e nossa soberania política, devemos rechaçar aintervenção estrangeira em qualquer país do mundo, a que pretexto for. Como sesabe, há congressistas norte-americanos que recomendam uma ação militar naTríplice Fronteira, entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai, a pretexto decombate ao “terrorismo muçulmano”.
O presidente Obama pediu desculpasaos afegãos pelo incidente, segundo ele, involuntário. O que já era difíciltorna-se ainda mais difícil agora: a retirada dos norte-americanos daquele paíscom um mínimo de ordem e de dignidade.

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