27 de fev. de 2014

A PRAGA DOS AGROTÓXICOS E O VENENO DA CORRUPÇÃO


(JB) - O Portal IG informa que, no ano passado, o Brasil consumiu um bilhão de litros de agrotóxicos, ou cinco mil mililitros de substâncias que podem provocar, entre outras doenças, de câncer a problemas neurológicos, por habitante.

Detemos, hoje, o assustador título de maiores importadores de agrotóxicos do planeta, entre eles, quatorze substâncias mortais já proibidas em outros países, que têm sido livremente usadas no Brasil.

Algumas delas aparecem na esmagadora maioria das amostras de leite materno e de urina da população de Lucas do Rio Verde, uma das capitais brasileiras do agronegócio, município no qual se usa, por ano, 136 litros de veneno por habitante, e no qual já houve surtos de contaminação aguda de crianças e idosos em 2007. 

Mas, mais grave ainda: segundo a matéria, a Presidência da República teria aprovado uma portaria, no final do ano passado, dando  exclusividade ao Ministério da Agricultura – sem ouvir a área ambiental – para decretar emergência fitossanitária ou zoossanitária, permitindo em tese a utilização diferenciada, ou sem licença prévia,   de substâncias proibidas, nos casos em que ataques de pragas estejam prejudicando seriamente a agricultura ou a economia nacional. 

Essa situação – que facilita a entrada de novos agrotóxicos no Brasil - foi tema de uma carta aberta à população e a outras instituições, por parte da Fundação Osvaldo Cruz, chamando a atenção para o forte lobby do agronegócio no Governo, e para a ameaça dos agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente no Brasil.

Mas o problema não é apenas político. A  Polícia Federal teria aberto inquérito – a pedido de um ex-funcionário da  Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que hoje trabalha na FIOCRUZ, Luiz Claúdio Meirelles - para investigar a ocorrência de fraude e corrupção no setor de toxicologia da ANVISA.

As fraudes teriam se dado no processo de  aprovação de pelo menos seis diferentes agrotóxicos, nos últimos anos, pela  instituição.    

A produção de alimentos, em todo o mundo, é reconhecida como um extraordinário diferencial geopolítico. 

Castigados pela fome e pela guerra, países como o Japão, a China e a Coréia, e blocos como a União Europeia, colocam o conceito de segurança alimentar – ou a possibilidade de suprir de alimentos sua população – no alto de suas considerações estratégicas, a ponto de subsidiarem, assim como fazem também os EUA, direta e indiretamente, com bilhões de dólares, os seus agricultores.

A isso se somam, naturalmente, a cobiça e os interesses de grandes tradings e companhias químicas internacionais, que movimentam centenas de bilhões de dólares por ano, na compra e venda de grãos e de commodities agrícolas, e na produção e comercialização de insumos e agrotóxicos.

Temos, na EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, uma das mais avançadas instituições do mundo. É preciso aumentar, via pesquisa, a oferta de novas sementes e cultivares que possam substituir ou diminuir o uso de agrotóxicos no Brasil, antes que eles contaminem, por completo, nossos rios, lagos e aquíferos, e destruam, pela quebra do equilíbrio ecológico, a nossa biodiversidade e um dos mais ricos patrimônios naturais do planeta.

Seria, no entanto, ingenuidade, esquecer que problemas são muitas vezes intencionalmente criados, apenas para engendrar e colocar, subsequentemente, no mercado, novas “soluções”, voltadas para gerar cada vez mais lucro, em detrimento da natureza e da saúde humana.

O crescimento do Brasil no mercado global de alimentos – este ano passaremos os Estados Unidos como o maior exportador de soja do mundo – não incomoda apenas os produtores agrícolas de outras nações. 

Ele também excita a cobiça dos fabricantes de  insumos e agrotóxicos.          

Nesse contexto, é preciso aumentar ao máximo a fiscalização e a vigilância de nossas extensas fronteiras. Em uma mala pequena, no bolso de uma camisa, em um par de sapatos, podem ser contrabandeados agentes biológicos como ovos de insetos, fungos e esporos, que, em uma viagem de poucas semanas, podem ser facilmente disseminados por milhares de estradas vicinais, situadas à margem de milhões de hectares de plantações de commodities de grande penetração nos mercados internacionais, como o milho, a soja, o cacau, os cítricos, o algodão.

A cada ano, surgem, no campo brasileiro,   novas pragas, que antes só atingiam outros países, que aumentam, em milhões de reais, os custos para os nossos produtores. Essa situação é favorecida por um quadro, em algumas regiões, de virtual monocultura, ou de plantio rotativo restrito a um ou dois produtos  de exportação, que caracteriza boa parte do agronegócio nacional.

A essas pragas, como a Helicoverpa Amígera, parece que teremos que acrescentar, agora, como indica a investigação em andamento na ANVISA, o veneno, sempre presente, da velha  praga da corrupção.

Antes, quando a responsabilidade cabia apenas ao executivo, por meio do Ministério da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente, esse perigo já existia, mas podia ser detectado e combatido com mais facilidade, por meio da fiscalização do próprio governo, da polícia e, em última instância, do eleitor.

Com o advento de comitês e subcomitês mistos e das “agências reguladoras” a partir do vendaval neoliberal dos anos 90, aumentaram, como já se viu em outras áreas como a telefonia, a burocracia, a troca de cadeiras, o conluio e conúbio entre o público e o privado, com inegáveis prejuízos para o consumidor. 

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:























http://rvketaj.dirigida.com.br/news/pt_br/a_praga_dos_agrotoxicos_e_o_veneno_da_corrupcao_jornal_do_brasil/redirect_16515552.html            

26 de fev. de 2014

A COPA E O TERROR


(Hoje em Dia) - O governo federal anunciou, em reunião da qual participaram representantes da área de logística e segurança dos 32 países envolvidos, que o Brasil vai investir mais de um bilhão de reais, e mobilizará 170.000 homens das polícias, do exército e de segurança privada durante a realização do evento, nas diversas cidades-sede, de 12 de junho a 13 de julho deste ano.

Até mesmo vants e robots importados, especializados no desmonte de bombas, serão utilizados. Andre Puis, um representante sul-africano que participou da reunião declarou em entrevista a meios de comunicação internacionais, que será  dada grande importância a medidas “antiterroristas”, principalmente em torno dos estádios que receberão os jogos.

País sem inimigos declarados, onde convivem harmoniosamente imigrantes de todo o mundo e que – graças ao princípio de não intervenção consubstanciado em nossa constituição – não costuma se meter com a vida de ninguém, é difícil acreditar que o Brasil possa ser atacado por “terroristas” estrangeiros durante a Copa.   

Neste momento, no entanto, há quem esteja, lá fora, apostando forte em mudar os rumos da política exterior brasileira, jogando nossa opinião pública contra o Mercosul e países como a Argentina e a Venezuela, os únicos, além da China, com quem tivemos  expressivos ganhos em nossa balança comercial no último ano.

São esses mesmos países que tem procurado fomentar, de fora, a onda de  manifestações que começou com a “Primavera Árabe” e que acham que podem se beneficiar com a sua propagação para lugares como Kiev, Caracas ou São Paulo.

A Primavera Árabe, longe de levar a liberdade e a paz aos povos do Oriente Médio e do Norte da África, acabou se transformando em um indescritível pesadelo de assassinatos, estupros, tortura, fome, caos e destruição, com milhares de mortos e milhões de refugiados, inclusive crianças, que hoje vagam, expostas à própria sorte, pelos desertos da região e que se afogam, em desesperada busca por uma vida ou futuro, tentando atravessar em botes o  Mediterrâneo.         

Se ocorrer um ataque “terrorista” de grandes proporções, durante a Copa do Mundo, no Brasil, ele certamente não será deflagrado por povos ou organizações com os quais o Brasil nunca teve nenhum tipo de problema, por ter mantido uma política exterior não alinhada e independente, como é o caso dos palestinos, os libaneses, ou o Irã.

Estaremos, durante a Copa, no centro dos acontecimentos mundiais. Será uma ocasião ideal para que eventuais    interessados  venham a fazer alguma coisa  que possa levar o Brasil a ficar contra o que antes se convencionava chamar de  Terceiro Mundo.
          

    

DEFESA E SEGURANÇA : A ESTRATÉGIA DA OTAN PARA O ATLÂNTICO SUL.


(JB) - A crescente integração política e econômica da América Latina e a importância desse projeto para as perspectivas de projeção dos países ocidentais sobre o Atlântico Sul tem se transformado, nos últimos anos, em um tema de relevante interesse para os Estados Unidos e seus parceiros da Aliança Atlântica no âmbito militar e de defesa.

Nesse sentido, é interessante a leitura de um estudo recentemente publicado pelo CENAA – Center for European and North Atlantic Affairs, denominado NATO GLOBAL PARTNERSHIPS IN THE XXI CENTURY - Parcerias globais da OTAN no Século XXI, analisando as perspectivas de atuação da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar que une a Europa e os Estados Unidos, com relação ao Brasil e à América Latina.

Reconhecendo que não existe, no momento, nenhum país latino-americano em regime de parceria formal com a OTAN, seus autores apontam, como dificuldade, para atingir esse objetivo, três importantes fatores:

- a desconfiança dos países da região com relação ao envolvimento dos Estados Unidos;

- “Interesses” diferentes desses países com relação à segurança;

 - uma percepção “diversa” com relação às  possíveis, no campo geopolítico global, nos próximos anos.

Segundo o documento, as reações contra o envolvimento histórico dos EUA na América Latina, teriam se aprofundado a partir da concretização de acordos para o  estabelecimento de bases militares na Colômbia e no México, e com a decisão de reativação da 4 ª Frota da Marinha dos EUA para operar, em princípio, no Mar do Caribe.

Essas ações teriam sido vistas, principalmente pelo Brasil, a partir da aprovação do novo conceito estratégico da OTAN, em 2010, como uma tentativa de abrir espaço para a atuação da organização no Atlântico Sul, e em outras regiões do mundo, fora do espaço tradicional do hemisfério norte.

Por trás da oposição de Brasília, estaria o desejo brasileiro de não abrir mão de um papel preponderante com relação à estabilidade regional, a doutrina diplomática nacional de não aceitar o uso da força sem o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a necessidade de preservar e defender seus interesses no Atlântico, especialmente no que diz respeito às reservas de petróleo descobertas pela Petrobras na Amazônia Azul.

O documento lembra que o Brasil considera como uma questão crucial impedir a entrada e permanência de navios dos EUA e da OTAN na região, na qual já existiria um potencial ponto de apoio para suas operações, representado pela presença britânica nas ilhas Malvinas, à qual se opõe a maioria dos países da América do Sul.

Daí a importância, para o Brasil, e para seus aliados, da defesa do conceito do espaço sul-americano – e do próprio Atlântico Sul – como uma Zona de Paz, sem grandes conflitos desde o século XIX, na qual os principais problemas quanto à segurança estariam representados pelo crime organizado, o tráfico de drogas e de armas, a proteção das fronteiras e a segurança urbana.

Essa situação, no entanto, lembra o documento, poderia mudar com a introdução de outros fatores. Entre eles, estaria o conceito de combate ao terrorismo, citando a Tríplice Fronteira, e a preocupação com o crescimento – como já defende a mídia pró-ocidental de alguns dos nossos países – da influência da Rússia e da China na região.

A resistência brasileira – país citado como alvo ideal para ações de cooperação – obrigaria a OTAN a se concentrar em nações que, no passado, já atuaram, marginalmente, em conjunto com a organização. Paradoxalmente, a Argentina – que dificilmente cairia nessa esparrela de novo – e o Chile, que fizeram isso na década de 1990.

Como organismos que poderiam facilitar o contato de países latino-americanos mais ligados aos Estados Unidos com a OTAN, são citados o Conselho Interamericano de Defesa, incorporado à OEA em 2006, e o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, TIAR, que obviamente não funcionou quando da Guerra das Malvinas e que tem sido progressivamente abandonado pelos países da América do Sul desde então.  

A força relativa dessas organizações também diminuiu – segundo o documento - com o surgimento da UNASUL, e do Conselho de Defesa da América do Sul, e a firme oposição do Brasil a qualquer acordo em separado com os EUA que viesse a fazer com que aceitássemos o papel de capatazes “ocidentais” no continente.

O papel neocolonial da Espanha e de Portugal é lembrado, quando se afirma que mesmo esses países-membros, “tradicionalmente ligados à América Latina” não foram capazes – como se isso fosse possível – de servir como ponte entre a região e a OTAN.

E, mostrando que existe muito mais por trás da Aliança do Pacífico do que um mero acordo econômico, o documento do CEENA cita nominalmente México, Colômbia, Peru e Chile, como países que poderiam servir de alvo inicial nesse processo de aproximação, por estarem voltados para cooperar de forma mais ampliada com os EUA e estarem se projetando para outras regiões, como a da Ásia-Pacífico.

Entre as conclusões, destaco e traduzo, livremente, as seguintes:

“A dinâmica de cooperação de segurança na região e a natureza dos desafios de segurança emergentes exigem novas tentativas da OTAN para buscar relações mais estreitas com os países latino-americanos.”

“A tarefa básica da OTAN é encontrar  formas e meios de construção de “confiança mútua”.

“O que precisa ser feito, em primeiro lugar, é a tentativa de um diálogo de alto nível em temas como operações de manutenção da paz, resolução de conflitos ou o papel das Nações Unidas.”

“Procurar a UNASUL e CDS seria o mais indicado para uma cooperação bloco a bloco, embora seja possível que a diversidade de seus estados membros e suas respectivas posições sobre a cooperação em questões de segurança venha a representar um obstáculo para o estabelecimento desses “contatos”. 

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:


























22 de fev. de 2014

O FEITIÇO E O FEITICEIRO


(Hoje em Dia) - Talvez o mais europeu dos países da Europa – nos seus cantões convivem as culturas alemã, francesa e italiana – a  Suiça acaba de aprovar um referendo sobre “Imigração Maciça” que limitará, a partir de agora, a entrada de cidadãos da Comunidade Europeia, passando a tratá-los da mesma forma, para efeito de residência, vistos de trabalho, e direito sociais, que imigrantes de outras partes do mundo, como a África e a América Latina, por exemplo.

Além disso, a contratação de estrangeiros voltará a necessitar do consentimento prévio das autoridades locais, que terão de dar prioridade, primeiro, a qualquer cidadão suíço que estiver desempregado.  

Para a vitória da proposta, apresentada pelo direitista Partido do Povo Suiço (SVP), foi fundamental o crescimento da imigração nos últimos anos – há 1.800.000 estrangeiros vivendo na Suiça, ou 23,3% da população – e outras alegações como “os interesses gerais da economia suíça”; a presença, no mercado, de trabalhadores “transfronteiriços”, que vivem em outros países e trabalham em território suíço, e também – infelizmente – de asilados.   

A Confederação Suiça tem uma das mais altas rendas per capita da região, o equivalente a 58.000 mil euros brutos por ano, e uma pequena taxa de desemprego de 3.7%, o que tem atraído trabalhadores de países em crise com altas taxas de desemprego, como a Espanha - com 27% da população desempregada - que tem aproximadamente 100.000 cidadãos vivendo naquele país. 

Com a medida, deixam de ter validade os chamados “Acordos Bilaterais” com a União Europeia, em vigor desde 2002, que garantiam a livre circulação e a liberdade de residência de cidadãos “comunitários” e suíços, seu direito de viver em qualquer lugar da UE ou da Suiça, sempre que tivessem emprego ou uma atividade econômica regular.        

A partir de agora, o número de novos imigrantes europeus estará regido por quotas e dependerá, também, da prioridade a ser estabelecida para cidadãos locais no mercado de trabalho helvético. 

Como um bumerangue, a nova lei suíça está fazendo com que o resto da Europa esteja vivendo a surpresa de ver o feitiço voltar-se contra o feiticeiro, e de  experimentar, didaticamente, como um  repugnante remédio, um pouco de seu próprio veneno. 

Mesmo que levada a isso pela extrema direita, ao tratar cidadãos da União  Europeia da mesma forma que os “comunitários”,  muitos de países que nos enviaram milhões de emigrantes, como Portugal, Itália e Espanha, sempre trataram os estrangeiros “extracomunitários”, como os da América Latina, a Confederação Suiça está exercendo, de alguma maneira, uma certa espécie  de “justiça poética”.


Ela mostra que o racismo, a arrogância e a xenofobia não isentam quem os pratica de ser tratado, também, por outros, do mesmo jeito excludente e humilhante. E ensina que, por mais que acredite no contrário, a ninguém foi dado o direito de estar acima de outros seres humanos.

Este texto foi publicado também nos seguintes blogs:



















A MORTE E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO



(JB) - A organização Repórteres Sem Fronteiras divulgou, esta semana, que o Brasil ultrapassou o México como o país com o maior número de assassinatos de jornalistas em 2013.

O último a morrer foi Pedro Palma, de 47 anos, morto por assassinos que estavam em uma moto, com diversos tiros, em frente à sua casa,  no distrito de Governador Portela, em Miguel Pereira, no  Estado do Rio de Janeiro.

Em junho do ano passado, também no interior do Estado do Rio, o jornalista José Roberto Ornelas de Lemos, de 45 anos, dono do Jornal Hora H, de Nova Iguaçú, também foi assasssinado em circunstâncias semelhantes, com 44 tiros.  E em 2012, outro jornalista, Mário Randolfo Marques Lopes, editor de um site na cidade de Vassouras, também no Rio de Janeiro, foi assassinado junto com a namorada. 

O caso que mais chamou a atenção da opinião pública, neste início de 2014, foi o do cinegrafista da Rede Bandeirantes de Televisão, Santiago Andrade, que teve o crânio afundado e faleceu ao ser atingido por um rojão durante confronto entre policiais e manifestantes, em frente à Central do Brasil, no centro do Rio, sepultado no mesmo dia da morte de Pedro Palma.

Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, CPJ, 70% dos assassinatos de jornalistas ficaram impunes no Brasil, nos últimos 20 anos.     

O jornalista sabe dos riscos que corre quando vive debaixo de uma ditadura, como foi o caso de tantos homens e mulheres de imprensa durante o regime militar, entre eles Rubens Paiva, Vladimir Herzog e Luis Merlino,   torturados e assassinados pela repressão.
Assim como é obrigado a assumir os riscos inerentes à sua atividade quando se desloca para uma área de guerra ou conflito, correndo o risco de ser atingido por um tiro em uma barricada, na Belfast dos anos 1970 ou de explodir ao atravessar de carro um campo minado, em lugares como Mahbés, no Saara Ocidental, cobrindo a guerrilha saarauí.

Com a consolidação dos grandes jornais e cadeias de rádio e televisão no final do século XX, muita gente acreditou que não haveria mais lugar para o jornalista romântico, daqueles que, como se via nos velhos filmes de Hollywood, afrontava com sua prensa de madeira os oligarcas locais.

Ledo engano. Com o advento da internet, ressurgiu a figura do jornalista solitário, que não está integrado aos grandes meios de comunicação, e que muitas vezes, consegue permanecer e sobreviver profissionalmente, apesar da existência deles.

Para parar essa nova geração de blogueiros, principalmente no interior, não basta invadir a oficina e empastelar os jornais, como faziam os jagunços, a mando dos coronéis, nos anos 1950, no Norte de Minas.

É preciso calar definitivamente o jornalista. Apagar o brilho de suas pupilas. Paralisar sua mente, seu coração. Certificar-se de que seus dedos não voltarão, de novo, a pressionar as letras e números, os símbolos e os acentos do teclado. 

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:


















19 de fev. de 2014

SOBRE A TORTURA


(Revista do Brasil) - O que é a tortura? Como um ser humano pode conceber usar o corpo de outro ser humano, que possui a mesma pele, a mesma boca, os mesmos dentes, os mesmos ossos, os mesmos cabelos, os mesmos bilhões de neurônios, para puni-lo com dor, desespero e medo? 

A convenção das Nações Unidas, de 1984, contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, define a tortura como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação”.

São muitos os que buscam atribuir a tortura à natureza humana, como fazem com a guerra e outros crimes. Mas existe um enorme abismo entre quem luta e o torturador. O guerreiro luta por uma causa. Está sujeito a morrer por uma fonte de água, a carcaça de uma presa recém-abatida, por sua mulher e seus filhos. 

O combatente atávico que existe em cada um de nós sabe dos riscos que corre, em defesa de suas circunstâncias, de suas ideias, de sua condição. Pode morrer ou ser ferido em batalha.

O torturador se distingue pela ausência de riscos, de coragem. O torturado sempre está desarmado, ou amarrado e indefeso, frente a ele. O torturador brinca com o medo do outro, porque, dentro de si mesmo, não consegue enfrentar e encarar o próprio medo. Ele é covarde por natureza, é movido pelo mal e o sadismo, e por sua fraca e abjeta personalidade. Ele não precisa de uma ideia, de uma razão.

“A finalidade do terror é o terror. O objetivo da opressão, a opressão. A finalidade da tortura é a tortura. O objetivo da morte é a morte. A finalidade do poder é o poder. Você está começando a me entender?” 

explica, a um prisioneiro, um personagem de George Orwell, no livro 1984. Os torturadores são, antes de tudo, psicopatas. Dependendo do momento da história, irão torturar em nome de Deus, de uma bandeira, um uniforme, uma ideologia, uma religião. Use a roupa que usar, ocupe seja que cargo, o torturador não passa de criminoso vulgar.

Uma sociedade que abomina assassinos, ladrões, corruptos, estupradores, não pode aceitar conviver, em seu seio, com torturadores. Até mesmo porque o torturador quase sempre é, também, assassino, ladrão, corrupto e estuprador. 

A diferença entre a tortura e a lei é a mesma que existe entre a barbárie e o progresso. Aceitar a tortura como inerente à condição humana é o mesmo que negar que um povo, um Estado, uma nação, a humanidade possam evoluir.

Dostoiévski dizia que a melhor forma de medir o grau de civilização de um país¬ era conhecer, por dentro, suas prisões. Nesse aspecto, a situação no Brasil é vergonhosa. Não apenas com relação às condições e superlotação de nossas cadeias, mas pela forma como nossa sociedade convive com a tortura e o torturador.

O brasileiro médio é falso, hipócrita e leniente com relação à tortura. As mesmas pessoas que se revoltam com o vídeo feito por uma vizinha, mostrando uma mulher espancando um cachorrinho na área de serviço, se regozijam quando veem um menino ou menina de 7, 8 anos – morador de rua e muitas vezes, já dominado pelo crack – ser agarrado pela orelha, e tomar uma surra de policiais ou seguranças. Param, a caminho do trabalho, para deleitar-se.

O agente do Estado, no Brasil, formado em uma longa tradição autoritária, que vem desde os capitães do mato, e dos diferentes hiatos ditatoriais de nossa história, acha que tem direito de vida ou morte sobre o suspeito. Isso está fartamente demonstrado não apenas nos milhares de casos de mortes por “auto de resistência”, mas também pelo que ocorre com os presos, muitos sem sequer terem passado por julgamento, no interior de nossas prisões. O mesmo vale para o outro lado da moeda.

Da mesma forma que um policial corrupto espanca, humilha e ameaça matar a mãe ou a filha de um suspeito, para saber – em interesse próprio – onde está escondido o produto de um assalto ou a droga recém-chegada, a violência extrema tem sido praticada, também, pelas novas gerações de marginais, que torturam e matam famílias, crianças e idosos, para tentar saber onde está um punhado de reais. Como controlar essa corrente de estupidez?

Um bom começo, do ponto de vista do Judiciário, seria perder o pudor de usar a lei e condenar alguém pelo crime de tortura. Raramente alguém que comete latrocínio com extrema violência tem a sua pena acrescida por tortura. É como se condenar alguém por esse crime fosse proibido, ou ela não existisse em nosso dicionário.

Nos portais e redes sociais ela nunca é citada por quem a defende. Ninguém, referindo-se a um suspeito, escreve ou afirma “tem de torturar esse cara”. Para que fique tudo mais íntimo e corriqueiro, banalizado, usam-se expressões como “tá precisando é de couro”, “se fosse meu filho, dava uma de criar bicho”, “comida de preso é paulada”, “pendura que ele canta”, “tinha que cortar na borracha” e outras do gênero.

A presidenta Dilma Roussef lançou, no último 12 de dezembro, o Sistema Nacional de Enfrentamento à Tortura, que prevê a instalação de um mecanismo autônomo que, por meio de peritos, terá autorização prévia para entrar em penitenciárias, instalações militares, delegacias, instituições de longa permanência de idosos, instituições de tratamento de doenças psíquicas ou similares, para constatar a existência de possíveis violações de direitos humanos nesses locais. 

Trata-se de importante iniciativa, considerando-se que o Brasil é signatário da Convenção Internacional Contra a Tortura desde 1989, e que, em 500 anos de história, é a primeira vez que a Nação está encarando, de forma direta, essa abominável questão.

Mas a verdadeira batalha não se dará apenas com a fiscalização do que está ocorrendo nas prisões, que poderia avançar com a instalação de delegacias de direitos humanos em todo o país. Ela será travada nos corações e mentes da população brasileira.

Não podemos nos considerar civilizados enquanto milhares de brasileiros defenderem a execução ilegal e a tortura como método de punição e investigação. Não podemos nos considerar civilizados enquanto juízes estabelecerem jurisprudência atribuindo à vítima de tortura o ônus de provar que foi torturada. Esse paradigma, estabelecido na ideologia escravocrata e repressora de parte considerável de nossa sociedade, só poderá ser alterado a partir do ensino, em todas as escolas, desde o primeiro grau, dos direitos e deveres consubstanciados na Constituição brasileira, atendo-se estritamente ao seu conteúdo, para não dar à direita fascista motivo para combater a iniciativa.

Só quando ensinarmos nossos filhos e netos que o mero ato de um policial espancar um manifestante, em uma situação de protesto – ou manifestantes espancarem um policial desarmado – é ilegal; que extrair dor de outro homem, mulher, criança, indefeso, humilhando-os, transformando-os, pelo medo, em animais -irracionais, que gritam, sangram e choram, segundo a vontade de seu torturador, é crime abjeto e condenável, poderemos começar a mudar, de fato, a mentalidade a propósito da tortura, sua imagem e paradigmas, em nosso país. 

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:
























13 de fev. de 2014

A NOVA CÚPULA DA ALIANÇA DO PACÍFICO


(JB) - Se há uma coisa que muitas vezes, impressiona, em certos segmentos da elite e do empresariado nacional, é a facilidade com que se deixam pautar e manipular pela imprensa estrangeira – e seus replicantes locais – sem entender que por trás de tudo que não seja absolutamente factual, existem  determinados interesses.

Esse é o caso, por exemplo, dos artigos e  “análises” feitas pela mídia, a  respeito da Aliança do Pacífico, que engloba o México, a Colômbia, o Peru e o Chile, e que reuniu-se há alguns dias, em Bogotá, proclamando retumbantemente o corte de 92% das tarifas no comércio entre seus sócios.

A AP está sendo apresentada, dentro e fora do Brasil, como o último prego no caixão do Mercosul, do ponto de vista econômico, e como a aliança que servirá de alternativa – principalmente, ideológica – para os diferentes mecanismos de integração – como a UNASUL e o Conselho de Defesa – que estão sendo promovidos pelo Brasil em nosso continente neste momento.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar, Colômbia, Peru e Chile, longe de serem contra o Mercosul, são membros associados da organização – o México tem status de observador – e também da UNASUL e do CDS, o Conselho de Defesa Sul-americano. E o Chile, a partir da posse da presidente eleita Michelle Bachelet, tende  se reaproximar do Brasil e do próprio Mercosul. 

Acreditar que o Brasil vai perder para o México esses parceiros – com quem dividimos até projetos militares - é ignorar o fator geográfico, e esquecer que já dispomos de acesso facilitado a esses mercados, privilégio que não poderá ser alterado, sob a pena de essas nações também terem seus produtos barrados no mercado brasileiro, o maior das Américas, depois dos Estados Unidos.    

Em segundo lugar é preciso relativizar a importância da AP, lembrando, por exemplo, que só o Brasil tem uma economia maior do que a de todos os seus membros reunidos.

E que o Mercosul, como um todo, com a recente inclusão da Venezuela, e um PIB total de 3.3 trilhões de dólares, representaria, se fosse uma nação, a quinta maior força econômica do mundo.

Por trás do mito da Aliança do Pacífico, existe a ilusão de um maior dinamismo da economia mexicana, o principal país do grupo – que cresceu no ano passado 1.2% - com relação à brasileira, a maior do Mercosul – que avançou  2.5% no mesmo período.

Existem mais coisas que definem o lugar que o Brasil e o México pretendem ocupar no mundo – e seus respectivos projetos de desenvolvimento – do que a mera geografia e o volume de exportações.

O México é um país totalmente integrado à América do Norte, e, nessa integração, ficou bom em terceirizar mão-de-obra barata, fabricar refrigerantes, cimento e pão de forma, e prestar serviços de telefonia.

O Brasil é um país integrado à América do Sul e ao BRICS, que privilegia o crescimento de seu  mercado interno, tem como principal parceiro comercial a China, e vende para todos os continentes do mundo.   

Somos o mais avançado país em pesquisa agropecuária, extração de petróleo a milhares de metros de profundidade, em alto mar, a centenas de quilômetros da costa; em desenhar e fabricar aviões civis de passageiros de até 120 lugares. Produzimos mísseis navais e aéreos, foguetes de saturação, radares e mísseis de cruzeiro.

Dominamos o ciclo do enriquecimento do urânio, fabricamos e possuímos aceleradores de partículas (o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron está em funcionamento e vem aí o Sirius, com 165 metros de diâmetro e 650 milhões de reais de investimentos), e estamos aprendendo a fazer submarinos nucleares, aviões de caça supersônicos e sistemas de transporte a levitação magnética (o Cobra-Maglev da Coppe), por exemplo.

Na internet, alguns mexicanos gostam de apresentar – ao contrário de nós mesmos, que não nos arriscamos a fazer o mesmo - como “mexicana” uma suposta superioridade em manufatura com relação ao resto da América Latina, que se desmente pelos seguintes fatos:

- A quase totalidade das fábricas instaladas no México são de outros países – não existe uma única marca mexicana de automóveis ou de bens de consumo avançados.

- O comércio exterior do México, embora volumoso, é tradicionalmente deficitário.

- A pesquisa e a engenharia de caráter industrial são majoritariamente desenvolvidas em outras regiões do mundo.

- Se não fossem os baixos salários e o mercado dos Estados Unidos do outro lado da fronteira, os mexicanos sequer teriam a sombra do parque “industrial” que possuem.  

E não seriam um país exportador, considerando-se que 90% do que fabricam, tem como destino o TLCA - NAFTA (Canadá e Estados Unidos).

Trata-se, portanto, de condições, que não seria possível repetirmos aqui mesmo se quiséssemos - o que não é o caso - ou  se viajássemos para a fronteira de Tijuana e regredíssemos de volta no tempo.

Mesmo quando se considera a indústria automobilística, paradigma de uma suposta superioridade industrial mexicana com relação ao Brasil, até mesmo pesquisadores daquele país se recusam a endossar isso.

Esse é, por exemplo, o caso do estudo “Industria Automotriz en México y Brasil: Una comparación de resultados después  de la crisis de 2008”, da Dra. Lourdes Alvarez Medina, da UNAM – a maior universidade do México, que conclui seu texto da seguinte forma:

“Respecto a las características de cada industria se observa que México no ha desarrollado marcas propias, importa una gran cantidad de autopartes y componentes y no ha diversificado sus exportaciones ni tiene procesos de innovación importantes. Depende completamente del mercado de los Estados Unidos y ha descuidado su mercado interno.

Brasil por su parte tiene algunos productores locales de autobuses y chasis, tiene una cadena productiva mejor conformada y en algunos modelos tiene contenido local hasta de 90% y sus exportaciones automotrices están muy diversificadas y su mercado interno creció en tiempo de crisis. Además, los autos manufacturados en Brasil consumen gasolina y etanol en diferentes proporciones lo que le da a la flota vehicular brasileña cierta independencia del petróleo.”

Com todo o respeito pelo sofrido passado do México, que perdeu metade de seu território para os EUA, e pelo povo mexicano, sua arte, cultura milenar e literatura, se me perguntassem, principalmente, hoje, se preferiria estar no lugar do México ou do Brasil, ficaria – ao contrário do que muita gente pensa por aqui - na condição em que estamos.