30 de nov. de 2016

A ROTA DA TRAGÉDIA



O país - e o mundo do futebol - estão de luto com a morte de vários jornalistas e da maioria da delegação da Chapecoense, mas trata-se, certamente, de uma espécie de tragédia anunciada que não precisava ter acontecido.

Não é concebível que, por economia - não existe outra explicação aparente - os dirigentes de um clube prestes a disputar a final de um torneio continental tenham tomado a decisão - apesar da orientação  do ANAC, que não permitiu sequer que o avião boliviano viesse recolher o time da chapecoense em território brasileiro - de contratar uma companhia que, ao que tudo indica, possuía um único avião, de um modelo que saiu de linha há 14 anos, e que, entre outras limitações, mal dispunha de autonomia para cobrir a rota prevista, para uma viagem sobre uma região montanhosa, em uma época em que todo mundo sabe que o clima é chuvoso e instável sobre essa parte do mundo.

Tivessem - considerando-se a visibilidade do evento, eventualmente  negociado um desconto pelo marketing, se fosse o caso - e fretado com uma companhia nacional um jato ERJ-070 da Embraer - com igual capacidade, 70 passageiros, com mais de 800 quilômetros por hora de velocidade, maior altitude de cruzeiro, alcance de 3.700 quilômetros, e feito apenas uma escala, saindo de São Paulo, em Rio Branco, no Acre, mesmo contando-se com a imprevisibilidade do destino, há uma enorme probabilidade de que a tragédia não tivesse ocorrido.

27 de nov. de 2016

FIDEL E O SAFARI AFRICANO





Reza a lenda - em piada tudo é possível - que, nos tempos em que estava liberada a caça, uma numerosa turma de turistas que fazia um safari em certo país africano, saiu pela manhã do acampamento, deixando, nas  barracas, apenas um cozinheiro gago.

Perto da hora do almoço, estava o nosso nobre portador de disfemia cortando grandes filés de um imenso pedaço de carne bovina que havia descongelado, quando, atraído pelo cheiro de sangue, um leão introduziu-se, silenciosamente, na tenda, por trás dele.

Caçando, também, há dias, sem sucesso, ao ver a carne recém cortada e o cozinheiro, que  - para o leão, naturalmente - não era de se jogar fora, já que estava, digamos assim, um pouco acima do peso, foi natural que o estômago da fera se manifestasse, com um longo, profundo e poderoso ronco, que fez com que o homem se virasse, apavorado,  dando de cara com o felino, a enorme juba desgrenhada e os olhos vermelhos, já retesado para o salto, com a bocarra semi-aberta, de onde escorriam, viscosos, grossos fios de saliva.

Paralisado pelo medo, primeiro, apenas, com o barulho que saía das entranhas do bicho, e depois pela pavorosa visão que estava à sua frente, o cozinheiro, tremendo como vara verde, apoiou, para não cair, o  cabo da faca enorme que estava em sua mão na mesa, e, sentindo as pernas desfalecerem, foi escorregando lentamente para o chão, na expectativa de desmaiar de pavor debaixo do móvel, e a esperança de que o leão comesse primeiro a carne que já estava fatiada e só depois a dele.

Foi nesse mesmo instante que deu-se o desenlace, trágico - para um dos lados - do episódio. 

O leão, rugindo, saltou por cima da mesa, certamente para alcançar, primeiro, o  cozinheiro, mas acabou caindo sobre a faca que o outro estava segurando, e,  ferido  de morte, arrastou-se, moribundo, para fora, onde, em frente à entrada do acampamento, deu, deitado, o último grunhido.

Tremendo, sem acreditar que o animal estava mesmo morto, o gago aproximou-se do leão, e, com muito cuidado, levando nisso quase meia hora, aproximou o pé da sua cabeça, cutucando de leve seu pescoço com a ponta da bota.

E estava ele nessa atitude, com a faca ensanguentada ainda na mão direita, quando surgiu, no horizonte, o grupo de  turistas, que, frustrados por não terem caçado nada, voltava ao acampamento para o almoço.

À medida em que se aproximavam, se apercebendo da cena, os caçadores davam vivas e batiam palmas para o mestre-cuca, que, tudo indicava, havia matado o leão praticamente à unha, sozinho e armado apenas de seu instrumento de trabalho.

O cozinheiro,  por sua vez, parecia que, excitado com a situação, também comemorava efusivamente o acontecido. 

Com surpreendente agilidade, ele havia subido para cima de umas grandes caixas de madeira, e, dirigindo-se aos companheiros que chegavam, levantando as mãos para o céu, descia o braço direito, apontando repetidamente a faca para eles, gritando Hip... Hip....Hip.... Hip...Hip...Hip... aos quais, a cada vez que isso ocorria, os outros respondiam, ruidosamente, Hurra! Hurra!, Hurra!

E foi assim, na maior euforia, que, em poucos minutos, morreram todos, incluído o cozinheiro, esmagados pela manada de hipópotamos cuja aproximação não tinham ouvido, por trás deles, e que, esmigalhando tudo, passou sobre o acampamento como um tsunami.

Como aqueles que desenvolveram a tese de que a queda da União Soviética correspondia à vitória do Ocidente sobre o mundo e a uma espécie de "Fim da História", - até que a história  esmurrou brutalmente os EUA em uma certa manhã de setembro, com a sutileza de dois boiengs cheios de passageiros batendo nas torres do World Trade Center - tem gente que, no contexto da morte de Fidel Castro, ocorrida ontem, só está vendo o cozinheiro pulando em cima dos caixotes.

Enquanto os conservadores e os  anticomunistas de plantão estão dando hurras ao gago, comemorando a morte do velho leão barbado e, mais uma vez, o fim do socialismo  como alternativa utópica a um capitalismo e a uma democracia muitas vezes imperfeitos e hipócritas, como se vê pela controversa eleição indireta de Donald Trump, nos EUA, fingindo, malandramente,  que só existem dois países comunistas no mundo, Cuba e a Coréia do Norte; a China faz o papel do improvável, porém didático,  tropel de hipopótamos,  atropelando e atrapalhando, velozes e furiosos, a história segundo os privilegiados, o faz de conta dos imbecis,  o seu discurso superficial, artificial, midiático, manipulado, tão sólido, consistente e profundo como um colarinho de chopp.

Tirando um bilhão de pessoas do subdesenvolvimento. 

Transformando-se, embora com um regime de partido único e um sistema financeiro e produtivo altamente estatizado - e 5 trilhões de dólares em reservas internacionais - no maior credor do planeta e na segunda maior economia do mundo - por enquanto.

Sem deixar de ser, ao lado da Rússia e da Índia, também uma poderosa potência espacial e atômica.

Ora, o que seria do azul se todos gostassem do amarelo?

Se o mundo não tivesse opções, e fosse unipolar e hegemônico, alguém duvida de que já viveríamos sob um governo único, autoritário e tirânico?  

A História só irá acabar, senhores, quando e se um dia, acabar a desigualdade, a hipocrisia, a exploração do homem pelo homem, de países por outros países, a humilhação, a maldade e a covardia.

Por uma razão muito simples, cristalina:

Dinâmica e incontrolável, caprichosa como uma amante volúvel, ou uma folha ao vento que precede as tempestades, a "história", que muitos gostariam que desaparecesse, enquanto luta por uma sociedade mais digna, ainda é o melhor, senão o único, antídoto, de que dispõe o Homem, a Humanidade, contra a opressão, a injustiça e a infâmia.





















25 de nov. de 2016

A VONTADE DO IMPÉRIO





Diz o velho adágio que repete, há gerações, a sabedoria popular. que quem muito se abaixa acaba mostrando as nádegas - mesmo que as calças sejam de veludo ou de um terno Giorgio Armani.

Implacável na hora de autorizar grampos ilegais, conduções coercitivas, prisões arbitrárias casuisticamente renovadas, contra suspeitos e acusados brasileiros, a justiça nacional pia fino quando se trata de enfrentar a sua congênere norte-americana, para quem muito juiz e procurador, como certos bichinhos de estimação, balança a cauda em viagens para aquele destino, com a intenção de participar de eventos sociais e badalatórios.

O útimo episódio no processo - cheio de nuances e pobre em transparência -  da onipresente "cooperação" entre autoridades brasileiras e norte-americanas que, da CIA, FBI, ao Departamento de Justiça, tem marcado, de maneira cada vez mais descontrolada e informal, os últimos anos, passando descaradamente por cima da legislação que estabelece que esse tipo de relação tem que ser feita, obrigatoriamente, sob autorização, coordenação e o conhecimento do Ministério da Justiça; é o fato do acordo de "colaboração" - arrancado a fórceps do Grupo Odebrecht pela força-tarefa da Operação Lava Jato, estar dependendo, agora, para ser assinado, como informa a imprensa, apenas da palavra final das autoridades norte-americanas.

Não satisfeitos com o oferecimento das autoridades brasileiras de dividir igualmente em três partes, para Brasil, Suíça e Estados Unidos, o butim, os EUA exigem, arrogantemente, ficar com a parte do leão de uma absurda multa de 7 bilhões de reais imposta ao Grupo Odebrecht, que já demitiu mais de 200.000 trabalhadores nos últimos dois anos.

Uma "punição" que estaria voltada, indiretamente, para compensar o fato de que não foram comprovados, cabalmente, os fantásticos e também "bilionários", supostos, desvios, que, alega-se, teriam sido feitos no âmbito do "petrolão".

Como a Operação Lava Jato não conseguiu "recuperar" para a Petrobras mais do que 500 milhões de reais até agora, uma miserável fração dos prejuízos que acarretou na credibilidade das empresas acusadas, na sua situação creditícia, no número de milhares de demitidos e de investidores e fornecedores que quebraram,  dos 6 bilhões que, alega-se, por conta de "auditoria" da Price Waterhouse Coopers, teriam sido desviados da empresa; pretende-se chegar a esse montante com multas estratosféricas, impostas às maiores empreiteiras do país, por meio de expedientes retorcidos, como a figura de "danos morais coletivos", punindo-se, de forma mais cruel e exemplar aquela que mais resistiu a aceitar essa gigantesca pantomima, a Odebrecht, seus diretores, e seu principal executivo, preso há quase dois anos.

Isso quer dizer que estamos em uma República de Bananas.

Em que o governo anterior, por não aguentar a pressão midiática, chama uma empresa norte-americana - que ja foi multada e investigada várias vezes por irregularidades, nos EUA - para "auditar" nossa maior empresa.

Em que essa empresa de "auditoeia" norte-americana determina, em um relatório altamente subjetivo, o que teria havido, hipoteticamente, de prejuízo, em nossa  maior empresa.

Em que, com base nesse suposto prejuízo e nesse suposto "relatório", a Petrobras passa a ser processada nos EUA.

Em que, não bastando isso, tudo é feito, com a cessão, pela justiça brasileira, de "colaboradores" "voluntários" de encomenda, para que, no final do processo, os EUA e investidores norte-americanos possam colocar no bolso a maior parte dessa gigantesca fortuna, graças aos bons serviços de uma empresa norte-americana - que deve ter trabalhado desde o início com esse objetivo.

E, principalmente, de uma justiça nacional submissa, que aguarda, na pessoa do Sr. Procurador Geral da República, como no papel de uma espécie de Vice-Rei, que os norte-americanos comam seus perus do feriado de Ação de Graças e que a vontade do Império se manifeste,  para que possamos determinar, finalmente, o valor do "acordo" e depois repassar, subalternamente, a maior parte da “bufunfa” para a Metrópole.

Como se os supostos "crimes" não tivessem, eventualmente, sido cometidos aqui.

Como se as "investigações", mesmo que eivadas de problemas, distorções, arbitrariedades, não tivessem sido feitas aqui.

Como se não tivéssemos a mais reles autoridade ou jurisdição sobre o nosso próprio território ou sobre nossa - já que de outra coisa não se trata, desde o início - política interna.

Como se a empresa em questão, a Odebrecht, não tivesse crescido, ao longo de mais de 50 anos de trabalho, principalmente aqui, para depois enviar a maior parte dos frutos desse trabalho ao exterior, para beneficiar a economia de outros países.   

O comportamento canino das autoridades brasileiras com relação aos EUA pode ser visto, também, em outro episódio recente, o da reação do Juiz Sérgio Moro à inquirição da defesa de Lula a propósito desse tema.

Diante de perguntas dos advogados Cristiano Martins Zanin e José Roberto Batochio, a Eduardo Leite, ex-executivo da Camargo Corrêa, sobre sua eventual colaboração com os Estados Unidos, e frente à preocupação do procurador Diogo Castor de Mattos com o rumo da conversa - a defesa estava interessada em saber até onde vai a "voluntária" cooperação de delatores brasileiros com a justiça norte-americana, com a suspeita do intermédio e da "ajuda" da própria justiça brasileira, alguns deles já soltos, lépidos e fagueiros, como o Sr. Paulo Roberto Costa, um dos poucos envolvidos apanhados com dinheiro, enquanto outros, que nunca tiveram recursos sujos em suas contas, permanecem implacavelmente presos ou  condenados a vários anos - Sérgio Moro respondeu na linha do "isso não vem ao caso", alegando que a defesa estava querendo "tumultuar" o processo, e fechando questão com um "está indeferido até porque, doutor, a relevância disso me escapa".  

Ora, onde está Wally?

Auxiliemos o honrado magistrado, para que, com a sutileza de um elefante correndo em nossa direção, em plena savana, também não nos escape essa relevância.

Não se trata apenas de saber se está havendo desobediência a tratado que impede relações "informais" com os EUA, sem acompanhamento do Ministério da Justiça, nesse processo, o que poderia anular várias de suas decisões no futuro - e ser eventualmente analisado por CPI no Congresso, criada especificamente para investigar o assunto.

O que importa, aos olhos do mundo, da verdade e da História, é saber até que ponto foi  - e evidentemente continua indo - a influência e a interferência de uma potência estrangeira e de seus interesses, em uma "operação" de decisivas e incontestáveis consequências políticas, que incluem - até agora - a derrubada de uma Presidente da República;  a perseguição e eventual condenação de um ex-presidente - considerados, ambos, durante anos, como inimigos por boa parte dos falcões do establishment norte-americano - e, como vemos no episódio dessa multa, o destino de  uma gigantesca fortuna - que  está sendo efetivamente subtraída de uma das maiores empresas brasileiras - envolvida com a construção de nosso submarino atômico e de mísseis ar-ar dos novos caças da Aeronáutica - no valor de mais de 2 bilhões de dólares. 

23 de nov. de 2016

A PETROBRAS E OS TRIBUNAIS



Estudo da FUP - a Federação Única dos Petroleiros, mostra que, além de não haver justificativa para a acelerada desvalorização promovida pela atual diretoria nos ativos da Petrobras - já que eles já foram "reavaliados" em 2015 e em 2014, reduzindo seu preço em  R$ 112,3 bilhões e diminuindo em 60% o seu valor de mercado - por trás dela estaria uma   "vergonhosa manobra contábil que tem por objetivo jogar pra baixo os preços dos ativos para acelerar a privatização da empresa".

E - diríamos nós - para piorar também a sua situação  a longo prazo, impedindo que ela se recupere de forma mais rápida, contradizendo o discurso de que a Petrobras está "quebrada" e que essa crise se deve exclusivamente à corrupção e ao governo anterior.    

O pior, segundo a FUP, é que o esmilinguamento proposital do valor dos ativos tem sido promovido justamente nas áreas que se está colocando à venda - as mais importantes e com maior potencial de lucro e de geração de caixa - como os campos de produção, as termelétricas, o Complexo Petroquímico de Suape, a Araucária Fertilizantes, o Comperj, que estão sendo vendidos a preço de banana, por 15,7 bilhões a menos do que teria sido possível arrecadar antes, além das distribuidoras de gás e de combustíveis.

Isso quer dizer que, somando-se a um tremendo prejuízo estratégico, com a entrega à concorrência  de recursos naturais, tecnologia própria e mercado, que levaram anos para ser descobertos e desenvolvidos; se está praticamente doando, atabalhoadamente - e muitas vezes sem licitação, o que facilita e muito a possibilidade de ocorrência de corrupção, sem nenhuma razão que justifique a pressa, a não ser a vontade, não se sabe por que, de desmontar e entregar tudo o que for possível nos dois anos que restam ao atual governo - o patrimônio da nossa maior empresa a particulares e até mesmo a grupos estrangeiros, como a Statoil, que também são estatais, como a própria Petrobras.

A concessão de liminar, por uma juíza da Justiça Federal de Sergipe, suspendendo o processo de venda de participação da Petrobras nos campos de Baúna e Tartaruga Verde para a Karoon Gas Australia, nas bacias de Santos e de Campos, respectivamente, a pedido do Sindicato dos Petroleiros de Alagoas e Sergipe, com a justificativa de que  a venda não poderia ocorrer sem licitação, mostra que ainda existe, no Judiciário, bom senso e responsabilidade suficientes para com a obediência a regras mínimas de alienação do patrimônio público, e, indiretamente, atenção ao irresponsável desmonte do Estado nacional em curso, e às suas deletérias, irreparáveis, consequências para o desenvolvimento brasileiro nos próximos anos.

O que os petroleiros deveriam fazer, em conjunto com outras instituições, como a AEPET, é barrar, na justiça, toda e qualquer venda de ativos da Petrobras que estiver em andamento, que não tiver passado por ampla discussão e por competente e transparente processo de licitação, já que a empresa pertence a todos os brasileiros, incluídos os entreguistas e os imbecis que, nas redes sociais, assumem que a “odeiam” e que pretendem destruí-la, movidos pela desinformação, a manipulação e o preconceito que caracterizam a sórdida campanha realizada contra a Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima ao longo dos últimos 4 anos.

Usando dados como os levantados pelo economista do Dieese Cloviomar Cararine Pereira, que mostram que a Petrobras não está quebrada, e que não precisaria vender esses ativos agora - justamente quando o petróleo está voltando a subir de preço - ou reduzir seu efetivo.

Não é possível que o fechamento e a venda de unidades como a Usina de Biodiesel de Quixadá, que acaba de deixar ao "deus-dará" milhares de agricultores e funcionários, se dê sem audiência pública, quando usinas como Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo,  tiveram, no governo anterior, suas obras interrompidas por dezenas de vezes pela justiça, por alegada preocupação com o meio ambiente ou a qualidade de vida da população local.       

Do ponto de vista institucional, é importante também contestar, judicialmente, o relatório da Price Waterhouse and Coopers, para que essa empresa de "auditoria" - várias vezes multada e investigada pela justiça norte-americana, vide A PETROBRAS E A TEORIA DO “DOMÍNIO DO BOATO” - explique e comprove, indubitavelmente, as perdas que, alega, foram sofridas pela Petrobras com corrupção, apontando em que operações se deu esse prejuízo; quem aprovou uma por uma; como se deu o desvio; para que contas foi supostamente repassado o dinheiro e quem recebeu os recursos teoricamente "desviados" de cada uma delas, no fantástico patamar informado, de 6 bilhões de reais.
Se fôssemos funcionários da Petrobras, e tivéssemos participado de alguma das numerosas comissões envolvidas, em diferentes níveis, na aprovação desses projetos; ou de aditivos envolvendo as obras que a Price Waterhouse tem por obrigação apontar, claramente, quais foram, nos sentiríamos pessoalmente atingidos em nossa honra e publicamente taxados de incompetentes, irresponsaveis ou corruptos.
E certamente, teríamos movido ações individuais contra a "auditora" - centenas delas, se necessário - para que fosse provado nosso envolvimento, ou definitivamente  comprovada nossa lisura e inocência, abrindo a possibilidade para posteriores ações de indenização por danos morais.
Nem mesmo se o dono de uma empreiteira alegar que pagou, ou a quem pagou, “propinas” é possível confiar em sua palavra, devido às altíssimas condições de “temperatura” e de pressão e às ameaças de multas bilionárias, por exemplo, com que têm sido comumente negociados os acordos de “leniência” e obtidos  os testemunhos e delações da Operação Lava Jato.
É preciso que provem cabalmente a quem deram o dinheiro e de que forma, e se houve realmente sobrepreço - comparando-se com preços de mercado e respeitando-se as especificidades de cada projeto -  mesmo que expedientes estejam sendo utilizados corriqueiramente para transformar retroativamente alhos em bugalhos, como  doações eleitorais legalmente registradas em "propina".
Os processos aos quais a Petrobras está sendo submetida nos EUA, partem, todos, da aceitação passiva da atual diretoria - e o pior, da diretoria anterior, que contratou, também sob extrema pressão, a Price  - de que houve prejuízos e desvios no montante desses 6 bilhões de reais.
Cabe aos petroleiros demonstrar, por meio da Justiça, que não houve esses desvios ou que se eles eventualmente ocorreram foram infinitamente menores, não apenas para desmontar a farsa do "petrolão" - que justifica tudo que está sendo feito com a empresa e o país agora - mas também para que a Petrobras não tome ainda mais prejuízo com o pagamento de quase centenas de milhões de dólares em indenizações apenas nos processos que responde em Nova Iorque, movidos por grupos de especuladores que querem ganhar sempre, buscando, hipocritamente - mesmo que estejam arriscando seu dinheiro na bolsa - apenas o bônus sem ônus, em um novíssimo sistema econômico, o do "capitalismo sem risco".

20 de nov. de 2016

DE SANTOS E DE JUÍZES







A estúpida invasão do Parlamento, com a tomada do plenário da Câmara dos Deputados por um bando de imbecis - que davam vivas ao Juiz Sérgio Moro  e pediam uma “intervenção” militar - não é um absurdo isolado no crescente cerco à Democracia e às instituições nacionais.

A cerrada pressão corporativa do Judiciário e do Ministério Público sobre deputados e senadores para consolidar o controle de um grupo de plutocratas sobre a República, o Legislativo e o Executivo, e, direta e indiretamente, sobre o eleitorado e os cidadãos comuns, representa uma outra face da ascensão de um fenômeno perverso, antidemocrático e fascista - a Antipolítica.

Não interessa se o legislativo que aí está aprovou,  majoritariamente, um golpe que tirou do poder um governo que, venhamos e convenhamos, havia se tornado de certa forma insustentável, por sua própria incapacidade em recusar uma agenda neoliberal recessiva - criada também para facilitar a sua derrocada - e de resistir a uma campanha tenaz, mentirosa e fascista que se desenvolvia claramente desde 2013 e que iria - só os imbecis e os ingênuos não acreditavam nisso - chegar, inexoravelmente, à derrubada da Presidente da República.

O Congresso Nacional - e nele há também aqueles que tentaram resistir bravamente a essa farsa - não é perfeito.

Mas ninguém chega ali sem voto.

E o voto reflete em boa parte a essência, a opinião, a qualidade e o que determina a população brasileira.      

Tão ou mais responsáveis pela queda de Dilma, do que os deputados e senadores que votaram pelo seu impeachment foram  certos grupos do Ministério Público e do Judiciário, oriundos majoritariamente de uma classe média reacionária e conservadora, que investiram tenazmente na fabricação de uma longa série de factoides, arbitrariedades e escândalos, destinados a dizimar o PT nos tribunais e - em cumplicidade com uma mídia mendaz, parcial e seletiva - junto à opinião pública.

Ou alguém acredita que, se não existisse a Operação Lava Jato, e seu deletério exemplo, com o evidente antipetismo do Juiz e de vários procuradores envolvidos com sua "força-tarefa" - mesmo com a coleção de equívocos táticos e políticos do governo anterior e de seu partido - teria se conseguido derrubar a Presidente da República?

A “Lava Jato” não apenas destruiu o país, provocando 140 bilhões de reais de prejuízo e aprofundando os efeitos da política recessiva e da crise internacional - arrebentando com as maiores empresas brasileiras e seus milhares de trabalhadores, acionistas e fornecedores - para recolher menos de dois bilhões, na verdade, apenas algumas dezenas de milhões de reais, se formos considerar dinheiro efetivamente desviado e não de "leniência", "multas” e "bloqueios" bilionários.

Ela também representou a consolidação de uma Jurisprudência da Destruição que já vinha de antes, partidária e sabotadora, com a sucessiva paralisação, por centenas de vezes, de dezenas de grandes obras de infraestrutura e de projetos estratégicos de governos petistas, nos últimos anos, como as hidrelétricas de Jirau e Belo Monte, a Refinaria Abreu e Lima e a Transposição do São Francisco, por exemplo, que tiveram entre outras consequências diretas um extraordinário aumento no preço das obras hoje atribuído quase que exclusivamente a supostos casos de corrupção.

E se apoiou no descrédito da democracia, por meio da manipulação da opinião pública, estratégia essa que é a cabeça de ponte de um movimento que pretende, de fato, diminuir o poder de representantes eleitos, para entregá-lo a um estrato privilegiado de funcionários concursados que se vêem como impolutos Cavaleiros da Justiça, e que consideram, temerariamente, que devem tutelar a República, por meio de sucessivas manobras políticas, quando  não têm um reles voto  e  estão proibidos, por lei, de meter-se nesse contexto.

Se houvesse um mínimo de respeito à Constituição,  o Movimento das 10 Medidas Contra a Corrupção teria sido coibido dede o início.

Juízes, procuradores, desembargadores,  devem fazer cumprir as leis e não criar movimentos de massa, slogans e marcas e sair colhendo assinaturas  para reformulá-las partidariamente - mesmo que não se trate de partido legalmente constituído - em seu próprio benefício profissional ou pessoal.

A não ser que queiram abandonar suas togas e seus  confortáveis gabinetes e se candidatar ao Legislativo, disputando, no próximo pleito, com os deputados e senadores aos quais pretendem dar lições éticas, o voto e a preferência do eleitorado.

Se não fosse assim, os constituintes de 1988 teriam lhes franqueado o acesso à atividade política, quando o que fizeram, explicitamente, foi exatamente o contrário, como ocorre, aliás, na maioria dos países do mundo.

Já imaginaram se as Forças Armadas fizessem um movimento em defesa de seus próprios interesses e do aumento de quinhão de poder, de facto, no conjunto da sociedade brasileira, através de um conjunto de “10 Medidas Pró-defesa”, com soldados da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, colhendo assinaturas em bares e restaurantes?

Ou os bombeiros, ou os médicos, ou os fiscais, não interessando qual fosse o motivo, até mesmo porque de discursos demagógicos e de “boas” intenções o inferno está cheio?

Poderíamos, tranquilamente, fechar o Congresso, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, e mudar o nome deste país para República Corporativista Brasileira.  

É por isso que, tanto do ponto de vista político, quanto do jurídico, os magistrados e procuradores brasileiros deveriam evitar o perigoso caminho - que estão trilhando com a cumplicidade de parte da mídia, que tambe´m aposta na judicialização e na criminalização da política e no enfraquecimento da Democracia - de tentar aumentar de forma incessante o seu poder, o seu ego e sua arrogância, no trato com a população de modo geral e, especificamente, com outras instituições da República.

Uma auditoria do Tribunal Superior do Trabalho acaba de constatar que todos os tribunais regionais descumpriram normas legais em relação a férias de juízes e desembargadores entre 2010 e 2014.

Nos casos mais graves, segundo a Folha de São Paulo, cinco TRTs pagaram a 335 magistrados o total de R$ 23,7 milhões a título de indenização, ou seja, da "venda" teoricamente ilegal -  a Lei Orgânica da Magistratura Nacional não prevê a possibilidade de conversão de férias não gozadas em remuneração - de descanso remunerado em troca de dinheiro.

O TRT de São Paulo lidera a lista, com 872 pagamentos irregulares a 290 magistrados, no total de R$ 21,6 milhões.

No Rio de Janeiro, em que se pretende diminuir os salários dos servidores públicos da base da administração, para fazer com que eles dividam com o governo a contribuição para a aposentadoria, um relatório sobre a folha de pagamentos de agosto deste ano informa que só seis dos 861 magistrados do estado ganham abaixo do teto constitucional de R$ 33.763, e que há desembargadores que, com os "penduricalhos", recebem mais de 70.000 por mês.

"Apenas em dezembro de 2015, cada magistrado estadual do Paraná recebeu R$ 103,6 mil brutos, em média, de remuneração. Ao todo, o Tribunal de Justiça (TJ) gastou só no último mês do ano passado R$ 94,4 milhões com os vencimentos de juízes e desembargadores. Isso significa praticamente o triplo do que foi gasto, em média, entre os meses de fevereiro e novembro de 2015– R$ 32,2 milhões. No mês de janeiro de 2015, os gastos também foram atípicos: R$ 72,1 milhões."

O parágrafo acima é do Jornal "Gazeta do Povo". Por causa dessa matéria, 45 juízes do Estado do Paraná, atingidos em sua "honra", moveram ações cruzadas contra os responsáveis pelo jornal, a ponto de a questão ter chegado ao STF, instância em que a Ministra Rosa Weber suspendeu, liminarmente, a perseguição contra a publicação e cinco profissionais de sua equipe (três jornalistas, um infografista e um webdesigner).

No Ministério Público do Paraná - assim como ocorre na maioria das unidades da Federação - a situação também não é diferente.

A diferença entre o que foi pago aos membros do órgão e o teto constitucional custou R$ 70 milhões – 74% dos R$ 94,5 milhões ganhos a mais em 2015 com a inclusão do FPE.

E no Tribunal de Justiça, os gastos com pagamentos acima do teto constitucional custaram R$ 108 milhões – 49% dos recursos.


Ora, quem acusa e julga deveria ser o primeiro a dar o exemplo, não se afastando, nem por um centímetro, do que determina a lei.

A Senadora Kátia Abreu, já lembrou, há alguns dias, com toda clareza, que juiz ou procurador que recebe acima do teto também é corrupto.

É nesse contexto que, com a desculpa do combate à corrupção, o MP, apoiado por organizações ligadas ao Judiciário, pretende passar no Congresso  medidas destinadas a diminuir ainda mais o espaço de defesa do réu, diante de um sistema de repressão jurídico-policial-penal dantesco, vergonhoso, na maioria dos aspectos,  que está distante de qualquer nação moderna ou civilizada.

E se esforça em impedir, junto com juízes, as tentativas - em que o Congresso não faz mais do que sua obrigação - de se estabelecer  limites para a ação de procuradores e magistrados, que prevejam punições mais drásticas, em caso de abuso de autoridade, que o mero afastamento remunerado de funções - na verdade um prêmio, por meio do qual o sujeito recebe sem trabalhar -  e de se discutir outras questões, como os super-salários dos funcionalismo público, entre os quais se incluem os seus, dos mais altos da República.

O jornal Estado de São Paulo informa que entidades de representação do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal reagiram à proposta de mudança da Lei Anticorrupção para instituir o crime de responsabilidade para magistrados, promotores e procuradores, e a anistia em acordos de leniência a executivos de empresas acusadas de corrupção.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos, acusou parlamentares de usar o pacote das dez medidas anticorrupção do Ministério Público Federal (MPF) e um projeto para anistiar crimes de caixa 2, para tentar barrar a Operação Lava Jato.

Um grupo autodenominado “Magistrados Independentes” pede a cassação, por “falta de decoro”, do Presidente do Senado, Renan Calheiros, por ter criticado um juiz que tentou ilegalmente investigar o Legislativo sem autorização  da Suprema Corte.

O Presidente do Senado Federal, assim como a maioria de seus pares, que espelham, como ele,  a sociedade brasileira, com certeza não é santo e tem inúmeros defeitos mas não está ali por vontade divina.

Não podemos ser seletivos, como os fascistas.

Da mesma forma que Dilma representava 54 milhões de brasileiros que a elegeram, o Senador Renan Calheiros representa diretamente mais de 840.000 homens e mulheres que votaram nele.

Parafraseando Stalin, que teria indagado quantas divisões tem o Papa, perguntamos: quantos votos têm  os magistrados que pretendem cassar Renan Calheiros?

Essa falta de respeito, esse manifesto desprezo pela vontade do eleitor e pelas prerrogativas individuais  com relação à sociedade, também está presente, indiretamente, na declaração do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que disse que sua maior preocupação é a falta de “filtro” para quem realizará a denúncia de crime de responsabilidade contra as autoridades.

“O que o deputado está propondo é que qualquer cidadão acusado de qualquer crime, homicida, traficante, pode entrar com petição e a autoridade terá de responder”, disse , ilustrando quão longe está indo a abordagem fascista da justiça no Brasil de hoje, como se houvesse cidadãos com mais direitos que os outros, em sua presunção de inocência, e a "autoridade" em questão fosse absolutamente infalível e não tivesse que se submeter ao poder de quem vota e lhe paga os régios salários de que falamos há pouco, mesmo que, ou principalmente quando o cidadão for suspeito de qualquer crime, já que, como mero  acusado, ainda não foi condenado e tem direito constitucional a ampla defesa.

Quis custodiet ipsos custodes?

"Quem guardará os guardiões? já perguntavam, sabiamente, os romanos, há quase 20 séculos, por meio de Décimo Júnio Juvenal - quanto mais poder tem um cidadão a serviço do Estado, maior controle e limites ele tem que ter, maior tem que ser a sua submissão e  obediência à Lei e à comunidade que serve - pois que ele existe apenas para isso mesmo - para meramente servir aos cidadãos e não a si mesmo.

O relator da Comissão que estuda a aprovação das “10 medidas  Anticorrupção” já recuou dessa missão, citando a “opinião das ruas” - que na verdade é apenas a opinião dos  procuradores e juízes que foram procurá-lo na Câmara dos Deputados - com relação à imposição de limites para o abuso de autoridade com o estabelecimento de crimes de responsabilidade para juízes e procuradores.

O Congresso precisa, em nome da História e de sua própria sobrevivência como instituição, resistir à pressão corporativista de quem pretende agir como uma casta - em nada casta, aliás - que está acima da população.

Há quem esteja chamando os políticos de “os donos do mundo”.

Mas os homens públicos não são donos do mundo. Eles são donos, apenas, de seus votos, que lhes conferem poder apenas enquanto os têm, e que são obrigados a manter e a reconquistar constantemente - ao contrário dos juízes, procuradores, desembargadores - a cada novo pleito.

Pode-se criticar este ou aquele político, em livre exercício democrático.

O que não se pode é generalizar e nivelar, de forma fascista, a todos.

Ou tentar retirar ou diminuir a legitimidade do voto para voltar à máxima pelésiana - aquela de que “o brasileiro não sabe votar” - tão em voga durante a ditadura.

Se o Judiciário e o Ministério Público brasileiros fossem perfeitos, não viveríamos em um país em que são assassinadas quase 60.000 pessoas por ano, boa parte delas - em situações polêmicas e controversas - por agentes do próprio Estado.

Em uma Nação em que, apesar de termos uma das forças de segurança mais violentas do mundo, menos de 6% dos homicídios são elucidados e esclarecidos.

Em que, em alguns estados, quase 60% dos presos se encontram ilegalmente  mofando, de forma imoral, há anos, atrás das grades, sem julgamento.

Em que o Conselho Nacional de Justiça eximiu, há poucos meses, juízes e procuradores de declararem, antecipadamente, junto com o endereço e a data, o valor das palestras pagas que estão livres para fazer para instituições de qualquer espécie.

Ao mesmo tempo em que "pune", com apenas dois anos de suspensão, remunerada, uma juíza que permitiu que uma adolescente ficasse reclusa, durante semanas, com 30 presos do sexo masculino, em uma cadeia do estado do Pará.  

A mesma punição reservada pelo CNJ, no caso, de aposentadoria compulsória também remunerada, para um Juiz que vendia sentenças no Tribunal de Justiça do mesmo Estado.

E para outros magistrados, envolvidos com quadrilhas dedicadas ao mesmo crime, em outras  unidades da Federação como o Piauí, a Bahia, Roraima, Pernambuco, etc.

Um país em que dezenas de presos desarmados são metralhados, encurralados dentro de celas e corredores de um presídio, e os responsáveis pelo massacre, com equipamentos de proteção e armados até os dentes na ocasião dos fatos, são absolvidos por "legítima defesa".

Em que as prisões, como pôde constatar, mais uma vez, a Presidente do STF, Ministra Carmem Lúcia, em visita à Penitenciária da Papuda, em plena capital da República, há alguns dias, são, principalmente pela superlotação, verdadeiras masmorras em que não existe a menor garantia, por parte do Estado, de condições minimamente dignas para o cumprimento, pelo condenado,  de sua sentença.

E em que não existe nenhuma possibilidade, e, eventualmente, interesse, de garantir sua incolumidade física durante os longos períodos em que, na maioria dos casos, sem assistência médica ou judiciária, o preso eventualmente “provisório” ficará enclausurado, em condições absolutamente animalescas, à mercê de Deus, das facções e do Sistema.

Muitas vezes, porque foi apanhado com algumas pedras de "crack", ou  alguns papelotes no bolso, na esquina, produzidos  à base de querosene ou de comprimidos vencidos de anfetamina, sem nenhum vestígio de cocaína.      

Isso, em um planeta no qual, em nações como os EUA, a população acaba de aprovar, em plebiscito, em novos estados, incluído o mais populoso deles, a Califórnia, o uso recreativo da maconha, diante da constatação de que a mera repressão e penas implacáveis, até mesmo para usuários,  como ocorre comumente por aqui, não resolvem, de forma alguma, a questão do tráfico de substâncias entorpecentes.

Diante de uma "justiça" assim, todo indivíduo tem o direito moral de tentar escapar da "lei".

De não produzir provas contra si mesmo.

E de postergar seu julgamento e encarceramento, indefinidamente, porque a justiça que o julga e o condena, com a mão cada vez mais pesada de jovens juízes e procuradores recém-formados que vivem no mundo perfeito de suas gravatas de seda, seus altos salários e seus ternos bem cortados, é a mesma que não consegue garantir que a maioria dos detentos brasileiros passe por julgamento ou possa cumprir sua pena de reclusão em condições de relativa igualdade com apenados de outros países, como já dissemos, minimamente modernos ou civilizados, neste vigésimo-primeiro século da Era Cristã.   

Barrar a Operação Lava-Jato?

Como?

Se, em resposta a uma longa sucessão de desmandos, em que a delação, como nos regimes autoritários mais abjetos da História, tornou-se o maior instrumento de investigação de uma justiça que se mostra incapaz de correr atrás de provas claras, irrefutáveis, incontestáveis, o Judiciário insiste em aumentar o casuísmo ?

Se, com o intuito de  institucionalizar-se essa nova nova ordem judiciária, blindando-a contra iniciativas que possam restaurar o direito e possibilitar a defesa de quem está sendo acusado, em mais uma decisão que implica em novo passo rumo à fascistização, de facto, do país, transformando-nos, também no aspecto judicial, em uma ditadura,  a  5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta semana ser inviável que cidadãos delatados por terceiros questionem acordos de delação celebrados por quem os está acusando?

Se essa absurda determinação - que precisa ser contestada no STF - mais uma no sentido de restringir os direitos cidadãos que estão teoricamente consubstanciados na Constituição, afirma que as pessoas citadas ou acusadas nas delações, não poderão, doravante, questionar as circunstâncias, as condições em que tal delação foi obtida - se por pressão sobre o réu, eventualmente já aprisionado e sob o arbítrio de seus carcereiros e interrogadores,  se sob tortura ou eventual ameaça ou chantagem, em um país em que todos sabem, existe uma das polícias mais violentas do mundo ?

Se poderão, no máximo, os delatados,  que - a partir da declaração de um desafeto, de alguém que está procedendo assim em troca de uma eventual promessa de soltura - correm o risco de ser presos e acusados de qualquer crime, mesmo que não haja provas; contestar o teor das acusações, sem entrar no mérito de como foi obtida a tal "delação" pela "justiça" ?

Se o STF acaba de aceitar institucionalizar a prisão após condenação em segunda instância, restringindo ainda mais a possibilidade de defesa do réu, neste perfeito - justo, equilibrado, em nada arbitrário -  sistema judiciário em que vivemos?  

Como no caso da possível aprovação da validação de provas "ilícitas", obtidas de "boa fé"  por agentes do Estado, em exame pelo Congresso, estamos vivendo uma fase da vida nacional que só pode ser comparada ao período de ascensão do nazismo, quando, uma após outra, medidas de restrição do Estado de Direito e dos direitos individuais foram aprovadas pelo regime, até que a máscara de uma suposta legalidade caiu, com a imposição do ignominioso arcabouço "jurídico" das Leis de Nuremberg.

Nesse contexto, não pode restar, àqueles que defendem a liberdade e a democracia, duramente reconquistadas por nossa geração, mais do que cerrar fileiras e combater, decididamente, até mesmo em benefício da própria consciência, se não do futuro de seus descendentes, em todos os foros, cada casuísmo que possa estar sendo implementado nesse sentido, mesmo que muitas vezes eles  sejam adotados sob o manto hipócrita da defesa de um país mais "honesto" e menos corrupto, até mesmo porque não há regime autoritário, sangrento e assassino da História que tenha chegado ao poder sem essas bandeiras.

Por outro lado, a emblemática absolvição de João Vaccari Neto, do fantástico desvio - tão propalado pela mídia - de 100 milhões de reais, quando presidia a Bancoop, pela juíza Cristina Balbone Costa, da Quinta Vara Criminal de São Paulo, mostra que ainda existe justiça neste país, fora do âmbito da Operação Lava-Jato, com suas ilações, sua seletividade, suas arbitrariedades, a pressão sobre os presos para a imposição, dirigida e premeditada de “delaçoes" "premiadas" e uma longa série de acusações que não se sustentam.

Mesmo que essa operação viesse a trabalhar com provas absolutamente irrefutáveis e sem pressões e arbitrariedades sobre presos e testemunhas, ainda seria necessário provar à opinião pública que seus principais integrantes não estão apenas se esforçando para encontrar algum prêmio político-eleitoral - em 2018, quem sabe - no fim do arco-íris, ou não têm a intenção de se transformar, de fato, e permanentemente, em um quarto poder oculto dentro da estrutura do Estado Brasileiro.

Não se espera que boa parte dos juízes e procuradores que dividem privilégios e vantagens, abandone, como se vê pelo comportamento de suas associações de classe, seu arraigado  corporativismo, ou deixem de buscar - mesmo sem voto - como estão fazendo constante e açodadamente neste momento, aumentar o seu quinhão de poder - cada vez maior, aliás - com relação a outros segmentos, como os representantes eleitos do Executivo e do Legislativo, no contexto da sociedade brasileira.

Basta que parem de agir como vestais, e de querer posar de santos, e espetacularmente, de impolutos e messiânicos Cavaleiros da Justiça, porque, como mostram os casos de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Pará, do Paraná, de Roraima, do Piauí, da Bahia, de Pernambuco, do Espírito Santo, e de outros, muitíssimos outros lugares, nas capitais e no interior, eles não o são, como não são, também, nem impecáveis nem perfeitos.

Não o são e não estão acima dos Deputados e Senadores que pretendem “exemplar”, nem de nós, comuns mortais, que neles votamos, com nossos muitos defeitos e eventuais qualidades.

Essa é uma perspectiva que a Câmara dos Deputados  precisa levar em consideração nesta semana, a não ser que queira cometer mais um suicídio político - como se não bastasse a PEC 241 que retirará poder do Estado e do Congresso - e um novo erro histórico de enormes proporções.

E é uma constatação que está começando a ser feita, e a ser melhor entendida, pela população brasileira.

18 de nov. de 2016

O CHEQUE DE UM MILHÃO E AS DELAÇÕES EM "NUVEM".




Nunca aceitamos - e consideramos execrável - a tese - um dos pilares da Operação Lava Jato - da transformação retroativa, automática, proposital, de doações de campanha em "propina".

Se à época era legal e foi registrada, a doação foi doação e ponto final, mesmo que eventualmente tenha sido feita por meio de "Caixa 2", que - a exemplo das tais "pedaladas fiscais" que justificaram a derrubada de Dilma - se à época também não era crime, só pode passar a sê-lo depois que for criada uma lei para regulamentar o assunto.

Considerando-se isso, não se pode negar que essa retroatividade seletiva, presente na mudança do depoimento do ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, divulgada pela imprensa, ontem, transformou-se em uma das principais características da situação em que se encontra, hoje, a justiça brasileira. 

Pressionado a produzir uma delação "premiada" o "delator" em questão acusou a campanha da ex-presidente da República, Dilma Rousssef,  de ter recebido um milhão de reais - por si só uma quantia irrisória nesse contexto -  em "propina".

Disseminado ruidosamente o factoide, e com a apresentação de provas, pelo PT, de que o dinheiro chegou à campanha por meio do PMDB, ou seja, de que a doação estava em princípio destinada ao então candidato a vice e atual Presidente da República, Michel Temer, os advogados do "premiado" delator - mais um fantoche que se distorce e retorce ao sabor desse sórdido jogo de pressão de fundo descaradamente político - recuaram e disseram que ele havia se "enganado", e que, na verdade, não teria ocorrido,  nesse caso particular, nenhuma irregularidade ou ilícito.

Esse é o mal da tal "delação premiada", tão festejada pela atual Magistratura e o Ministério Público. 

Como quase nunca existem provas cabais que as sustentem, pode-se fazer com esse sórdido e abjeto "instrumento", de grande "plasticidade" inerente, o que se quiser, como se fosse - nas mãos de um bando de crianças - um pacote de massinha de modelar.

Além da possibilidade de "editar" seletivamente as transcrições dos depoimentos, vide O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS "CENAS PROIBIDAS" DA OPERAÇÃO LAVA JATO, pode-se acusar a torto e a direito (mais a "direitos" que a "tortos" e quase nunca à direita, convenhamos) e adaptar a mentira, já que de mentiras produzidas sob pressão se tratam, na maioria das vezes, relacionadas a ilações de caráter altamente subjetivo.

A bem da verdade, a mídia faria um grande favor ao público e à realidade, se passasse a chamar essas delações  - típicas de regimes fascistas e autoritários - nos processos stalinistas os réus também delatavam, oficialmente, "voluntariamente"  - de delações "chiclete", "bombril" ou "massinha".

Em tempos de computação em "cloud" - elas poderiam ser chamadas também de  "delações-em-nuvem", não apenas por sua banalizadora quantidade - o sujeito delata até a mãe do Papa para se livrar de prisões arbitrárias que podem ser "esticadas" indefinidamentee e para não correr o risco de desagradar a "pessoa" errada  - quanto pela possibilidade que têm, como as nuvens, de trocar de formato ao sabor das circunstâncias.

O comunicado dos advogados do ex-Presidente da Andrade Gutierrez prova que, apertadas entre os dedos, as "acusações" dos delatores podem mudar, sempre que for preciso, bastando que alterem o seu "depoimento". 

Assim, o que era, no início, uma "bola" de massinha pode se tranformar em  uma cobra, em um porquinho, ou, em poucos minutos, horas ou dias, em um simpático cachorrinho.

Em verdadeiro acinte, neste país de faz de conta, sem nenhum respeito ou consideração pela inteligência dos cidadãos e da população brasileira.