30 de mai. de 2012

UM ENCONTRO COMUM E A FALSA CRISE


Tentemos examinar os fatos – como eles estão sendo narrados. Admitamos, como certo, por ser possível, ainda que pouco provável, o divulgado diálogo de Lula com o Ministro Gilmar Mendes, no escritório do advogado Nelson Jobim, amigo de ambos - mesmo que Jobim o tenha desmentido e de forma definitiva. A versão de Gilmar é a de que Lula lhe falou na necessidade de adiar-se o julgamento, pelo STF, do processo de que são réus, entre muitos outros, alguns membros do PT, e que tenha lembrado a Gilmar a ainda não esclarecida viagem do Ministro e do Senador Demóstenes Torres a Berlim.

Até aqui, tudo no terreno do possível, nada há de estranho, nem qualquer deslize da parte de Lula. Sendo negócio de homens, e não de anjos, a política, desde que o mundo existe, é conversa, que admite pressões e contrapressões. E o ato político se faz, para o bem e para o mal, mediante pactos. Nada se pactua sem conversa prévia, mesmo que isso desagrade a muitos cidadãos. Não houvesse pactos políticos sigilosos, a História seria sempre um rio fétido de sangue.

Nós temos, na crônica quase recente do país, o processo de redemocratização como exemplo dos pactos sigilosos. Foi necessário que, de um e de outro lado, os moderados se movessem e conversassem, quase sempre à sombra do segredo e da confiança dos interlocutores, para que se dessem os passos na direção da retomada do estado de direito. Os extremados, de um lado e do outro do espectro político, condenaram esses esforços de pacificação nacional, crendo que, se não os houvesse, a facção a que pertencem teria obtido a vitória final e construído o estado que pretendiam perfeito. Sem a ação de Tancredo e outros, por quantos anos mais teríamos que esperar pela liberdade de imprensa, pela liberdade partidária e pelo direito do voto direto para os cargos executivos?

Não façamos de Lula um congregado mariano. Os homens são o que deles faz a sua experiência. Lula foi obrigado, desde menino, a negociar a sobrevivência, e nisso se baseou para construir sua biografia política. Nesse caso particular, se fez o que lhe é atribuído, agiu, em nosso juízo, de forma equivocada, de maneira a lhe trazer, como está trazendo, mais custos do que benefícios. Gilmar não era o melhor interlocutor no STF, entre outras razões por ser uma figura controvertida na opinião pública e entre os seus pares.

Queiramos ou não queiram os puristas, é assim que se faz política.

Há, e deve ser registrada, uma diferença de personalidades, entre Gilmar e Jobim, que deve ser lembrada: Jobim conhece algumas regras de convívio político e humano, das quais o controvertido ministro do Supremo parece jejuno. Não sendo provável que Lula tenha confidenciado a alguém o encontro com Gilmar e Jobim - e tampouco que Jobim haja descurado de seus deveres de anfitrião para narrar o diálogo, ainda mais porque o negou - que fonte abasteceu a revista que o reproduziu? Não podemos cair na sedução fácil de admitir que Carlos Cachoeira tenha mandado um de seus agentes dissimular-se em poltrona, ou colocar um microfone oculto no escritório de Jobim. Ele e seu homem de confiança para tais assuntos, o famoso Dadá, já se encontravam presos. Segundo as versões correntes, Gilmar revelou a alegada conversa com Lula ao Procurador Geral da República e a outras autoridades, antes que a revista semanal a divulgasse.

Nelson Jobim desmente, de forma irrestrita, o diálogo revelado pelo Ministro Gilmar Mendes. Mais do que o desmentido, Jobim abre uma fímbria do manto que cobre as razões do Ministro do Supremo para apregoar o encontro, ao fazer a observação singela, em entrevista ontem divulgada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre:

-- É estranho que o encontro tenha acontecido há um mês e só agora Gilmar venha se dizer indignado com o que ouviu de Lula. O encontro foi cordial. Lula queria agradecer a colaboração de Gilmar com o seu governo.

Excluindo-se a possibilidade de que tudo não tenha passado de uma trama entre Gilmar e Nelson Jobim, o que faria deles dois patifes - o que não são - a quem interessou a divulgação do encontro, um mês depois? O terreno das hipóteses é movediço, mas instigante. Uma delas, que está circulando pelas esquinas excitadas da internet, é a de que Gilmar (diante de versões correntes e que o comprometem mais além de viagens à antiga capital da Prússia, e que podem surgir durante a CPI), esteja, com sua experiência rural, fazendo um aceiro, para evitar que o incêndio da CPI atinja os seus pastos. E se Gilmar se considerava grande amigo de Lula – a ponto de as duas famílias se encontrarem com freqüência, como se noticia – por que revelar uma conversa íntima, pessoal, que compromete o ex-presidente como um interessado em que o STF adie um julgamento?

Há quem veja, nas razões de Lula – a ter como verdade o que se noticia – propósito político explicável: coincidindo a realização da CPI com o julgamento do STF, todo o interesse dos meios de comunicação estaria concentrado no mensalão, desviando para um segundo plano as investigações mais amplas do sistema de corrupção do Estado, que envolve os 3 poderes republicanos. É uma tese. O que o Brasil espera é que, tanto em um caso como no outro, tanto no processo que o STF julgará, como na CPI que se instaurou, a verdade seja conhecida.

Há o propósito de transformar o episódio do encontro em uma crise política que atinja o governo – e não há crise alguma. O conhecimento público do episódio não altera o quadro político, não muda seu desenvolvimento, que vai depender das revelações a vir. O novelo é denso, e seu tamanho exato só será conhecido quando toda a trama for desfeita. É necessário que os homens de bem estejam preparados, a fim de impor o bom-senso e encontrar a salvação do Estado, depois das revelações temidas e imaginadas.

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:


http://www.jornalvanguarda.com.br/v2/?pagina=noticias&id=10960

http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/05/santayana-quis-gilmar-evitar-um.html

http://bloganacletoboaventura.blogspot.com.br/2012/06/politica-historia.html

http://paraensedeminas.blog.terra.com.br/2012/05/29/a-falsa-crise-que-a-veja-quer-criar/

http://tecedora.blogspot.com.br/2012/05/negocio-de-homens-e-nao-de-anjos.html

http://fichacorrida.wordpress.com/2012/05/31/a-indignao-tardia-de-gilmar/

http://fichacorrida.wordpress.com/2012/05/31/a-indignao-tardia-de-gilmar/

http://blogdosentapua.blogspot.com.br/2012/05/um-encontro-comum-e-falsa-crise.html

http://valdecybeserra.blogspot.com.br/2012/05/santayana-quis-gilmar-evitar-um.html

5 comentários:

Moveis colonial disse...

Sr Mauro: dias atras li uns dos melhores artigos dos últimos tempos, "somos todos argentinos" por você artística e magistralmente assinado. E hoje mais uma vez apos ler uma descrição afiada e direta da mais recente novela que pretende (oxalá fique só no campo da pretensão) desviar a nossa atenção em momento singular, onde desbaratamos uma das mais indecentes relações entre o poder público e a contravenção. DEeesde o comeco a mim me parece sem pé e nem cabeça este retardo de indignação, estas declarações tidas como verdadeira mesmo com 2, mesmo com o Dobro de negativas.... enfim voce descortina muita coisa quando mais uma vez com maestria nos alerta.. o que mais parece de fato é o ministro estar empenhado em um "aceiro, para evitar que o incêndio da CPI atinja os seus pastos". Fraternais saudações, Adriana

Moveis colonial disse...

Sr Mauro: dias atras li uns dos melhores artigos dos últimos tempos, "somos todos argentinos" por você artística e magistralmente assinado. E hoje mais uma vez apos ler uma descrição afiada e direta da mais recente novela que pretende (oxalá fique só no campo da pretensão) desviar a nossa atenção em momento singular, onde desbaratamos uma das mais indecentes relações entre o poder público e a contravenção. DEeesde o comeco a mim me parece sem pé e nem cabeça este retardo de indignação, estas declarações tidas como verdadeira mesmo com 2, mesmo com o Dobro de negativas.... enfim voce descortina muita coisa quando mais uma vez com maestria nos alerta.. o que mais parece de fato é o ministro estar empenhado em um "aceiro, para evitar que o incêndio da CPI atinja os seus pastos". Fraternais saudações, Adriana

Anônimo disse...

Você é o maior comentarista político do Brasil. Pena que não seja reconhecido pela grande e antiga mídia. Ético, profundo, sagaz e esgrima com o idioma com uma habilidade que não mais se encontra hoje em dia. Sou Antonio Carlos Gaio e me encontro no www.jornaldugaio.com.br

Ignez disse...

As hipóteses levantadas possuem a requerida rigidez científica. Entretanto, o cipoal de intenções espúrias da oposição - Gilmar Mendes sempre se comportou como oposição - torna inútil formular uma que já foi rejeitada. Caberia mais sustentar que o mês decorrido para o ministro "se ofender" foi o tempo necessário para "acertar" a maneira de desviar a atenção da CPI. Por que Lula? Porque ele continua tendo a maior aprovação para retorno à Presidência da República. O Papa não suspeitou do mordomo. Todo mundo sabe que o mordomo é sempre o culpado. A teoria se confirmou no Vaticano. Ora, os fuxicos -chulamente falando - sempre partem do fuxiqueiro. Os golpes sempre são dados pelos golpistas. Até "bolinhas de papel" foram transformadas em "mísseis", nas últimas eleições. No caso atual, poderes podem ser transformados em podres poderes: o ministro do STF já plantou tantas crises que foi até chamado de "jagunço do judiciário". Ele é o mordomo.

Mauro Santayana disse...

Obrigado, Adriana, Gaio e Ignez, pelas palavras de apoio e os comentários.

Um abraço,