11 de fev. de 2016

A REPÚBLICA DOS BUROCRATAS E O PODER POLÍTICO - I




(Jornal do Brasil) - Um procurador do Ministério Público, do Estado de Goiás, usando de argumentação e justificativa claramente políticas, que refletem - sem esconder apaixonada ojeriza - sua opinião a respeito do atual governo, manda tirar do ar a campanha das Olimpíadas.

Outro procurador, ligado à Operação Lava-Jato, afirma que é preciso, no contexto do trabalho realizado no âmbito da mesma operação, “refundar a República”.

Ora, não consta na Constituição Federal, que o Ministério Público, tenha entre suas atribuições, refletir a opinião pessoal - e muito menos partidária, que lhes é vetada - de seus membros, ou a de “refundar a República”.

A República, organizada enquanto Estado, fundamenta-se na Lei, e um de seus principais guardiões é, justamente, o Ministério Público, a quem cabe obedecer à Constituição Federal, até que esta, eventualmente, seja mudada em Assembleia Nacional Constituinte.

Se alguns procuradores do Ministério Público querem “refundar” a República, que, do modo que está, parece não ser de seu feitio, o caminho, em nosso atual regime, é outro:

Cabe-lhes lutar, como cidadãos, pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

E, depois, quem sabe favorecidos pela notoriedade alcançada pela espetacularização de certas “operações” em curso, abandonar a carreira e passar a exercer – o que também lhes é vetado enquanto não o façam – atividade político-partidária.

Candidatando-se, finalmente, ao posto de deputados constituintes, para mudar o texto constitucional, e, por meio deste, a Nação.

Há um estranho fenômeno, neste Brasil dos últimos tempos, que é o de que funcionários da estrutura do Estado se metam a querer tutelar politicamente a Nação, principalmente quando a atividade política lhes é – sábia e claramente – vetada pela própria carreira.

Falta-lhes mandato para fazê-lo, ou para “salvar o Brasil”, embora, aproveitando-se da criminalização geral da atividade política e de campanhas destinadas a angariar, de forma corporativa, apoio na opinião pública para suas teses - o que inclui tentar legislar indiretamente - eles continuem insistindo nisso, como se organizados estivessem em verdadeiros partidos.

Neste caminho, confundem-se – em alguns casos, quem sabe, propositadamente - alhos com bugalhos, e pretende-se transformar em crime o que não passam de atos inerentes à própria atividade política.

Esse é o caso, agora, por exemplo, do fato de a imprensa pretender transformar em denúncia a afirmação do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, em sua peça contra o Deputado Wander Loubet, encaminhada ao STF, de que Lula teria dado pessoalmente “ascendência” ao Senador Fernando Collor, sobre a BR Distribuidora, em 2009, em troca de “apoio para o governo no Congresso”.

Ora, não é possível acreditar que o nobre Procurador tenha estranhado, ou queira transformar em fato excepcional e muito menos em crime – caso isso tenha mesmo ocorrido, o que já foi desmentido pelo ex-presidente - a nomeação de membros de um ou de outro partido para a diretoria de uma empresa pública, em um regime presidencialista de coalizão.

Crime existirá – e deve ser exemplarmente punido - se for efetivamente, inequivocamente, provado, o eventual desvio de dinheiro do erário pelos que foram, então, indicados, para cargos nessa empresa.

O resto é Política, no sentido de uma prática que vem se consolidando desde que os homens começaram a se reunir em comunidade, e, em nosso território, desde as Capitanias Hereditárias, quando, em troca também de apoio político a El Rey, na Metrópole, nobres eram indicados para a exploração de nossas riquezas; passando pelo Império, em que partidos e políticos eram apoiados ou indicados pelo imperador de turno em troca de fidelidade; pela República Velha; por Getúlio Vargas e o Estado Novo; por JK à época da construção de Brasília; pelo regime militar, que nomeava até prefeitos de capitais e senadores biônicos, pelo governo do próprio Fernando Collor; pelos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, pelos governos de Lula e de Dilma Roussef, que não teriam como governar – sem apoio do Congresso ou de determinadas parcelas do eleitorado - se não tivessem assim agido.

Afinal, os partidos políticos existem para disputar, conquistar e ocupar o poder no Estado, para fazer obras ou levar, em troca de votos e de simpatia, por meio de projetos e programas, benefícios à população, e disputam e negociam entre si cargos e pedaços da estrutura pública para atingir tais objetivos.

Essa é a essência da Democracia – um regime imperfeito, cheio de defeitos, mas que ainda é o melhor que existe, entre aqueles que surgiram ao longo dos últimos 2.500 anos, e, fora isso, só existem, na maioria das vezes,  ditaduras nuas, duras e cruas, em que a negociação é substituída pela vontade, o arbítrio e o terror dos ditadores.

Vivemos em tempos em que não basta destruir-se, institucionalmente, a Política, como se ela fosse alguma coisa à parte do país e da sociedade, e não um instrumento – o único que existe - para a busca do equilíbrio possível entre os vários setores sociais, grupos de interesse e a população.

Agora se pretende criminalizar também a prática política, como se alianças entre diferentes partidos ou a nomeação de pessoas para o preenchimento de cargos de confiança, ou a edição de medidas provisórias – destinadas a assegurar milhares de empregos em um momento de grave crise econômica internacional - fossem, em si mesmos, crimes, e não, como são em qualquer nação do mundo, atos normais e corriqueiros de negociação política e de gestão pública.

Obviamente, seria melhor que as agremiações políticas se reunissem apenas em torno de ideias, propostas e bandeiras e não de cargos, verbas, empresas, mas quem ocupa o poder tem a prerrogativa de indicar quem lhe aprouver ou contar com sua confiança e se for para se mudar isso, qualquer mudança terá que ser feita no Poder Legislativo, por deputados e senadores, que para isso são escolhidos, por meio do voto, por seus eleitores. 

O que está ocorrendo hoje é que, com a cumplicidade de uma parte da mídia, voltada para a deseducação da população quanto ao Estado e à cidadania, há funcionários públicos que, longe de se submeter ao poder político – e na ausência de votos, que não têm - pensam que foram guiados pela mão de Deus na hora de preencher as respostas dos exames em que foram aprovados, tendo sido assim ungidos pelo altíssimo para assumir o destino de comandar o país e corrigir os problemas nacionais, que não são – e nunca deixarão de ser - poucos.

A situação chegou a tal ponto de surrealismo que alguns espertos e os imbecis que os secundam na internet, parecem querer dar a impressão de que a solução para o país seria acabar com as eleições e os partidos e fazer concurso para vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores, ministros do Supremo Tribunal Federal – essa última “sugestão” se multiplica por centenas de sites e redes sociais - e para Presidente da República.

Substituindo, assim – como se tal delírio fosse de alguma forma possível - a soberania popular pela “meritocracia” e o suposto saber e competência de meia dúzia de iluminados que entraram muitos deles, na carreira pública, por ter dinheiro para pagar cursinhos e na base da decoreba para passar em exames - criados por empresas e instituições terceirizadas, que ruborizariam - pelo estilo e forma como são elaborados - um professor secundário dos anos 1950.

Afinal, para parte da burocracia atual - à qual se poderia acrescentar, sem medo de exagerar no erro, um “r” a mais, do ponto de vista de seu entendimento prático e histórico do que é e de como funcionam nosso sistema político e a própria Democracia - o povo brasileiro é visto como uma massa amorfa e ignorante, que não sabe, nem merece, votar, e que dá o tom do nível intelectual e de “competência” daqueles que chegam eleitos, ao Executivo e ao Legislativo.

Tudo lindo, maravilhoso.

Se não fossem, boa parte das vezes, péssimos os serviços prestados à população por essa mesma burocracia; se os cidadãos não estivessem conscientes da importância do direito de voto de quatro em quatro anos; se o artigo primeiro da Constituição Federal não rezasse que todo o poder – mesmo o dos burocratas de qualquer tipo - emana do Povo e em seu nome deve ser exercido; se não houvesse carreiras que pagam quase 100 vezes mais do que ganha um trabalhador da base da pirâmide social - recente matéria do Jornal o Estado de São Paulo, mostra que, com mordomias, férias, etc, e verbas indenizatórias de todo tipo, há aposentados do STJ recebendo mais de 100.000,00, que há subprocuradores-gerais da República, ganhando uma média de mais de 62.000,00 reais por mês,  e que mais da metade dos procuradores e subprocuradores recebem acima do teto constitucional (o juiz Sérgio Moro, também); e, finalmente, se mais de 600 funcionários concursados não tivessem sido demitidos, no ano passado, a bem do serviço público, só na esfera federal, por crimes como prevaricação, peculato, extorsão, corrupção, etc.

Afinal, para o bem da população - que pode votar sem exigir diplomas de seus candidatos - passar em concurso – por mais que pensem o contrário muitos brasileiros - não é selo nem garantia de honestidade, nem de caráter, nem de sanidade mental, nem de compromisso com o bom senso, ou com o futuro, com a soberania, o desenvolvimento e a dignidade da Nação.


Ou passou a ser isso tudo, e não fomos informados disso?

4 comentários:

Anônimo disse...

Não é necessário comentar mais uma excelente análise de um brilhante articulista.
Mas a propósito da mídia e do atual momento: enquanto pulula o diversionismo da mídia sobre contos da carochinha ou do Monteiro Lobato no Sítio do Picapau Amarelo, está sendo colocada uma cortina de fumaça sobre um fato gravíssimo que está pra acontecer: será votado em breve, em REGIME DE URGENCIA, o PLS 555/2015, de autoria do senador Tasso Jereissati, o qual determina privatizar todas as sociedades de economia mista e estatais federais, estaduais e municipais, transformando-as em SOCIEDADES ANONIMAS !!!!!! Ninguém está falando sobre isso !!!!! É gravíssimo, se aprovado, acabará com o Brasil. A esquerda brasileira permitirá que nos tornemos um sub-país?

Unknown disse...

No Paraná terra dos pinheirais, o Governador Richa quer privatizar a COPEL, unica empresa de energia elétrica estadual que dá lucro no Brasil, a SANEPAR responsável pelas águas do Paraná (basta ver o que acontece no Tio Sam, quanto desastrosa tem sido esta medida, o ensino, etc.
Se isto vier a ocorrer o que será das futuras gerações no Brasil...

Lucas Parente disse...

Parabéns. Mais uma vez análise muito lúcida da nossa situação.

Unknown disse...

Excelente análise. De fato, a tecnocracia brasileira está se tornando um fator de desestabilização da democracia.