4 de abr. de 2017

DE GHOST WRITERS E DE PRESIDENTES




Operário da palavra, como se dizia antigamente, tive, na minha vida profissional, e, principalmente, política, a oportunidade de colaborar com alguns presidentes da República, todos honrados e patriotas, graças a Deus.

Na maioria das vezes o fiz na condição de "ghost writer", mas como os "fantasmas", mesmo que eventualmente se divirtam, devem ser preferencialmente discretos, não esperava agora nesta minha vestustíssima idade, ser citado seis vezes, quase sempre devido a essa condição, nas memórias de outro ex-presidente, com o qual tive a honra de não trabalhar quando ocupava o comando do executivo, em um governo no qual, segundo estatísticas do Banco Mundial, o Brasil andou para trás, do ponto de vista de PIB nominal, salário mínimo e renda per capita, em dólares, e muitíssimo mais no âmbito da erosão da soberania, da desnacionalização da economia e da subalternidade geopolítica.

Procurado por uma revista semanal para comentar o acontecido, confesso que meu primeiro impulso foi retornar a ligação e dizer que há tempos, atendendo a recomendação do próprio,  esqueço ou ignoro qualquer coisa que esse senhor já escreveu, escreva ou venha a escrever no futuro.

Também me passou pela cabeça usar uma frase muito em voga nos anos sessenta - dos quais ainda não saímos historicamente - e responder, de chofre: não li e não gostei... os senhores vão me desculpar mas tenho mais o que fazer do que ficar dando importância ao tal de fulano. 

Mas refreei, ainda a tempo, a grosseria, já que a frase, independente da intenção e do contexto, poderia parecer rasteira e leviana, e decidi declinar de ouvir o que queria ler-me o repórter ao telefone, dando a entender que preferia esperar que a "obra", devidamente impressa, chegasse às livrarias. 

Não pretendo responder ao que foi escrito, nem declinar, em contexto pessoal, o nome do autor neste texto, embora às vezes seja obrigado a usá-lo em um ou outro trabalho jornalístico.

Da mesma forma que também não falo dele - sequer em pé de página - em minhas lembranças, que descansam, sem nenhuma ansiedade, na gaveta, esperando a hora de vir a público.

Não o farei agora, nem muito menos - se ele vier a partir primeiro - depois que o personagem em questão entrar naquela idade póstera e escura, aquela da qual não escapam nem os príncipes nem os faróis, que, em sua arrogância, estão condenados a se misturar aos mendigos e às paredes esfareladas das choupanas, no barro anônimo e humilde que será cultivado, pisado, cuspido e marcado, etologicamente, com urina, por aqueles que vierem no futuro, quando as lápides - por mais caras sejam, ou mais brilhantes ou mais duras - já tiverem se tranformado em pó e em esquecimento.

Não tenho por hábito praticar o esporte feio, fácil e indigno de atacar os mortos - impossibilitados que estão de defender-se pela rigidez de suas mandíbulas - mesmo com a desculpa de dar a entender que os insultos foram escritos entre paredes - como as cantadas no velho fado de Amália Rodrigues - quando os alvos ainda estavam vivos, respirando.


Um comentário:

Renata disse...

que ótimo.
também tenho desprezo pelo tal de fulano.