11 de fev. de 2012

O GARROTE VIL CONTRA GARZÓN

(JB) - Quando o mais altotribunal da Espanha decide expulsar da magistratura o juiz Baltasar Garzón,pelo fato de haver, a pedido da polícia, e de acordo com manifestação oficialdo Ministério Público, ordenado a escuta das conversas entre empresárioscorruptores e corruptos - a fim de impedir a continuidade dos delitos - épreciso ir além dos autos.
Acusa-se o magistrado espanhol de obsessiva atuaçãocontra o crime organizado. Embora a extrema-direita se alinhe contra suadecisão de investigar os crimes do franquismo, ninguém ousou acusá-lo de servira essa ou àquela convicção ideológica, ou a esse ou àquele partido político: eleatuou bravamente contra o terrorismo de direita, e contra os atos de violênciado separatismo basco; decidiu investigar o terror do fascismo espanhol, a fimde assegurar aos descendentes das vítimas do totalitarismo espanhol o direitode conhecer a história de seus pais e avós; obteve vitória jurídicainternacional pioneira, ao conseguir a prisão de Pinochet, na Inglaterra, aoacusá-lo de haver cometido crime contra um cidadão espanhol, no Chile. Acima detudo, era um tenaz perseguidor dos ladrões do Erário.
Mesmo a um leigo, como o colunista, a leituradas 70 laudas da sentença não convence de que - nesse episódio das escutas noconhecido caso Gurtel - o magistrado tenha violado o Código Penal Espanhol, nosartigos em que se apoiaram seus juízes, sobretudo o artigo 446, 3º, em que se ancorou adecisão.
É de tal ousadia, e violação do sensocomum, a sentença do mais elevado tribunal da Espanha, para que nela não seveja novo sinal de alarme na Europa. O totalitarismo está de volta. Na Espanha nãohá mais dois partidos políticos majoritários, mas, sim – e de acordo com a óbvia dedução de cidadãosque se manifestam pela internet – a fusão da direita e da esquerda em um PPSOE, junção do PP,resíduo do franquismo, ao derrotado PSOE, que desonra seus grandes fundadores,entre eles o lendário Pablo Iglésias.
A reação à sentença, tanto da intelligentsia espanhola, como nasmanifestações populares, são de perplexidade e espanto. Garzón repeliu asentença e anunciou seu propósito de continuar lutando pelo reconhecimento desua dignidade de juiz, ao recorrer ao Tribunal Constitucional. É a instância que o pode socorrer.
Escreve Garzón:
“Esta sentença, sem razão jurídica,nem provas que a sustentem, elimina toda a possibilidade de que se investiguema corrupção e seus delitos associados, abrindo espaços de impunidade, e contribuigravemente - no afã de acabar com um juiz em concreto - para ferir aindependência dos juizes na Espanha”.
Mas, entre todas as opiniões, a mais sensata foi a da senhora Mercedes Gallizo Llamas, quefoi secretária geral e diretora dasInstituições Penitenciárias da Espanha, quando ocorreram as escutas.
Em artigo ontem publicado em EL Pais, ela faz uma análise da justiça espanhola que serveao mundo inteiro, mas especialmente aos países herdeiros da tradição ibérica deinjustiça:
“Os cárceres estão habitados, em sua maioria, pelas pessoas pobres”. Como explica a autora do artigo, a maldadehumana que existe em nossas sociedades não é punida proporcionalmente àgravidade dos delitos. Em suma: os pobres pagam, e os ricos, não. E continua:
“Faz muito tempo que todos os agentespoliciais e jurídicos sabem que seria impossível a maior parte das operações desaqueio do dinheiro público, de fraudes contra a fazenda pública, de fuga decapitais a paraísos fiscais, de ocultação de bens, mediante testas-de-ferro, dalavagem de capitais, de corrupção dos responsáveis públicos, se não formasse partedessas redes um entremeado técnico-legal que lhes dá cobertura, que obtémsuculento benefício dessas operações, e que, em certos casos, acaba se situandona cúpula dessas atividades criminosas - e que se jacta de sua influência em todos osníveis da justiça”.
Afirma, em seguida, que a condenação de Garzón santifica asregras de um jogo repugnante, o da utilização dos princípios do Estado deDireito, para blindar, até o infinito, a cobertura legal da delinqüênciaorganizada em alto vôo.
“Quando um imputado recebe, na prisão,a visita diária de uma corte de advogados de honorários milionários, a maiorparte dos quais não se relaciona formalmente com sua causa, sem limite detempo, sem controle de suas atividades reais, há quem queira pensar que seassessoram para sua melhor defesa. Alguns não acreditam nisso e resolveminvestigar. Não há muitos que se atrevam a fazê-lo. Quase ninguém. A partir de hoje, menos ainda.
E conclui:
“Umestado implacável com os débeis, e débilcom os poderosos, perverte o sentido da justiça, do direito e das leis. Alguémdevia pensar sobre isso”.
Alguémdeve pensar sobre isso, e não só em Madri que, ontem, para lembrar o belo contode Hemingway, foi a capital do mundo.No mundo em que as comunicações derrubam as fronteiras, para o mal e para obem, a sentença que condenou o juiz Garzón – e que equivale, em seus efeitoscivis, a uma simbólica execução por meio de garrote vil – é assustador sinal de alarme. A Justiça perdeos seus últimos e frágeis liames com o sentimento ético do homem e o sistemademocrático. Se não há ética na justiça,todos os crimes são consentidos, toda a opressão é permitida, todos os absurdospassam a ser naturais e subvertem a lógica da vida em comum. Enfim, a farsasubstitui a lei e a idéia de justiça – e Themis se vende no mercado.

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4 comentários:

Marcos D disse...

Uma lástima! O facismo claramente se corporifica de novo na sociedade ocidental. As atitudes contemporâneas demonstram isso.

Obrigado Sr. Mauro Santayana. Faço votos que sua lucidez continue a ser essa lanterna nas sombras da noite. Um fraterno abraço.

Marcos Duriez

Anônimo disse...

Excelente texto, Sr. Santayana.
Como leitura adicional, recomendaria:
"Baltasar Garzón e a armadilha da Transição espanhola", de John Brown, Blog Iohannes Maurus em: http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/02/baltasar-garzon-e-armadilha-da.html
Obrigado,

Mauro Santayana disse...

Obrigado, Marcos, pelo apoio. Um forte abraço.

Mauro Santayana disse...

Obrigado, anônimo, pelo apoio e a recomendação. Vou dar uma olhada no texto, um abraço.