16 de nov. de 2012

UM JULGAMENTO POLÍTICO.


O julgamento da Ação 470, que chega ao seu fim com sentenças pesadas contra quase todos os réus, corre o risco de ser considerado como um dos erros judiciários mais pesados da História. Se, contra alguns réus, houve provas suficientes dos delitos, contra outros os juízes que os condenaram agiram por dedução. Guiaram-se pelos silogismos abengalados, para incriminar alguns dos réus.
       O relator do processo não atuou como juiz imparcial: fez-se substituto da polícia e passou a engenhosas deduções, para concluir que o grande responsável fora o então Ministro da Casa Civil, José Dirceu. Podemos até admitir, para conduzir o raciocínio, que Dirceu fosse o mentor dos atos tidos como delituosos, mas faltaram  provas, e sem provas, não há como se condenar ninguém.
         O julgamento, por mais argumentos possam ser reunidos pelos membros do STF, foi político. Os julgamentos políticos, desde a Revolução Francesa, passaram a ser feitos na instância apropriada, que é o parlamento. Assim foi conduzido o processo contra Luis XVI. Nele, de pouco adiantaram os brilhantes argumentos de seus notáveis advogados,  Guillaume Malesherbes, François Tronchet e Deseze, que se valiam da legislação penal comum.
       O julgamento era político, e feito por uma instituição política, a Convenção Nacional, que representava a Nação; ali, os ritos processuais cediam lugar à vontade dos delegados da França em processo revolucionário. A tese do poder absoluto dos parlamentares para fazer justiça partira de um dos mais jovens revolucionários, Saint-Just. Ela fora aceita, entre outros,  por Danton e por Robespierre, que se encarregou de expô-la de forma dura e clara, e com a sobriedade própria dos julgadores -  segundo os cronistas do episódio - aos que pediam clemência e aos que exigiam o respeito ao Código Penal, já  revogado juntamente com a monarquia.
        - “Não há um processo a fazer. Luis não é um acusado. Vocês não são juízes, vocês são homens de Estado. Vocês não têm sentenças a emitir em favor ou contra um homem, mas uma medida de segurança pública a tomar, um ato de providência nacional a exercer. Luis foi rei e a República foi fundada. E Robespierre, implacável, explica que, em um processo normal, o Rei poderia ser considerado inocente, desde que a presunção de sua inocência permaneceria até o julgamento. E arremete:
       - “Mas, se Luis é absolvido, o que ocorre com a Revolução? Se Luis é inocente, todos os defensores da liberdade passam a ser caluniadores. Os fatos posteriores são conhecidos.
      O STF agiu, sob  aparente ira revolucionária de alguns de seus membros, como se fosse a  Convenção Nacional. Como uma Convenção Nacional tardia, mais atenta às razões da direita - da Reação Thermidoriana, que executou Robespierre, Saint Just e Danton, entre outros - do que a dos montagnards de 1789. Foi um tribunal político, mas sob o mandato de quem? Quem os elegeu? E qual deles pôde assumir, com essa grandeza, a responsabilidade do julgamento político, que assumiu o Incorruptível? E qual dos mais exacerbados poderia dizer aos outros que deviam julgar como homens de Estado, e não como juízes?
     Como o Tartufo, de Molière, que via a sua razão onde a encontrasse, foram em busca da teoria do domínio do fato, doutrina que, sem essa denominação, serviu para orientar os juizes de Nurenberg, e foi atualizada mais tarde pelo jurista alemão Claus Roxin. Só que o domínio do fato, em nome do qual incriminaram Dirceu, necessita, de acordo com o formulador da teoria, de provas concretas. Provas concretas encontradas contra os condenados de Nurenberg, e provas concretas contra o general Rafael Videla e o tiranete peruano Alberto Fujimori.
       E provas concretas que haveria contra Hitler, se ele mesmo não tivesse sido seu próprio juiz, ao matar-se no bunker, depois de assassinar a mulher Eva Braun e sua mais fiel amiga, a cadela  Blondi.  Não havendo prova concreta que, no caso, seria uma ordem explícita do Ministro a alguém que lhe fosse subordinado (Delúbio não era, Genoíno, menos ainda), não se caracteriza o domínio do fato. Falta provar, devidamente, que ele cometeu os delitos de que é acusado, se o julgamento é jurídico. Se o julgamento é político, falta aos juizes provar a sua condição de eleitos pelo povo.
     Dessa condição dispunham os membros da Convenção Nacional Francesa e os parlamentares brasileiros que decidiram pelo impeachment do Presidente Collor. As provas contra Collor não o condenariam (como não condenaram) em um processo normal. Ali se tratou de um julgamento político, que não se pretendeu  técnico, nem juridicamente perfeito, ainda que fosse presidido pelo então presidente do STF.
       A nação, pelos seus representantes, foi o tribunal. O STF é o cimo do poder judiciário. Sua sentença não pode ser constitucionalmente contestada, mesmo porque ele é, também, o tribunal que decide se isso ou aquilo é constitucional, ou não. A História, mais cedo do que tarde, fará a revisão desse processo, para infirma-lo, por não atender às exigências do due process of law, nem a legitimidade para realizar um julgamento político.
    O julgamento político de Dirceu, justo ou não, já foi feito pela Câmara dos Deputados, que lhe cassou o mandato.
      
Este texto foi publicado também nos seguintes sites:

http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/11/16/mensalao-um-julgamento-politico/
http://blogdadilma.com/index.php/politica/1253-grave-erro-de-um-julgamento-politico




11 comentários:

Anônimo disse...


Senhor Mauro.

O PT não subscreveu a Constituição de 1988! Portanto, não há porque se surpreender quando este partido não respeita suas Instituições, em especial o STF! Trata-se de um partido de tendências unilaterais e antidemocráticas que poderão se dissimular desde que favorecido pelas mesmas Instituições que lhe permitiram eleger e exercer três mandatos da Presidência da República! Porém, esta dúbia vocação é sorrateira e oportunista, pois no momento em que os seus líderes são condenados por formarem uma quadrilha de corruptos, os petistas se mostram grotescamente solidários como se estivessem acima da lei ou como se o poder fosse uma condição intrínseca de seu destino histórico e um fato político impeditivo na divulgação de suas mazelas, exatamente como as autocracias genocidas cubana, norte coreana e chinesa!

Na minha opinião o PT é um partido marginal! Ou seja, não aceita o processo político democrático e será uma ameaça constante ao Estado de Direito! As provas desta marginalidade são os fanatismos de sua militância, a obtusidade de seus raciocínios maniqueístas e o endeusamento do Lula como se esse populista irresponsável e mentiroso fosse o dono da verdade! A tal ponto, que os petistas reduzem toda discussão política a duas únicas e exclusivas vertentes, ou você é a favor do PT ou do PSDB! Há, ainda, outra característica muito mais grave que envolve seus sectários, a de que toda decisão política deva passar pelo crivo do Lula, determinações que vão desde a divulgação de um simples manifesto até as deliberações da Dilma na condução do país! Numa última análise, o Brasil está nas mãos do Lula, o PT subtraiu a nação dos brasileiros, colocou-a no colo de um virtual ditador!

Caso os que lerem este texto conseguirem superar suas tendências de imbecilidade e ignorância que os fazem descambarem para ofensas pessoais como soe acontecer e queiram discordar com argumentos racionais o meu e-mail é (eugeniojosealati@yahoo.com.br)!

Atenciosamente,

Eugênio José Alati

Em tempo I: o único partido político ao qual me filiei foi o extinto MDB aqui de Campinas, SP. Sou um dos seus fundadores!

Em tempo II: quando era estudante de Direito, há mais de cinqüenta anos, participei de uma semana de Estudos Jurídicos onde desenvolvi um pequeno trabalho. Entrevistei reclusos e consignei uma conclusão sintomática: todos os condenados, vinte mais ou menos, declararam que eram inocentes! Todos! Como pode-se verificar, José Dirceu e José Genuíno ainda não fogem à regra!

Em tempo III: os petistas somente se incomodam com a situação dos presídios quando seus colegas são condenados!

Em tempo IV: o último parágrafo do texto acima não se refere ao senhor, mas a quase maioria dos petistas que na falta de argumentos ofendem aqueles que discordam de suas opiniões.

Anônimo disse...

Essa é a sua opinião. Mera 'opinião jornalistica especulativa' de alguém que possivelmente 'nutre laços afetivos' com o PT e José Dirceu. Não esqueça que você não é qualificado e apto para julgar, mas os Ministros do STF sim.

Marcos Abreu "para não achar que sou anônimo".

Anônimo disse...

Nunca que esse país tinha mandado para cadeia a não ser ladrão de galinha, querer agora mandar gente que só anda de terno fino e de esquerda, a qual tem direito de ser corrupta tanto todos já foram, o que direito adquerido, é um absurdo, pois esse país tá ótimo e deveria continuar que honestidade seja coisa para otário

Anônimo disse...

Parabéns, Santayana ! O dia que o STF julgar os outros 190 processos que existem contra políticos de outros partidos e que estão parados naquela corte, inclusive o mensalão tucano, envolvendo o ex-Governador Eduardo Azeredo, do PSDB, e o mesmo publicitário Marcos Valério, e que antecedeu, em seis anos, o famoso mensalão, poderemos dizer que o Poder Judiciário no Brasil é isento. E por lá, abundam provas, não precisa de teoria do domínio do fato para condenar ninguém. Basta querer cumprir a obrigação de julgar. O Maluf tem 600 milhões de dólares na Suiça, e foi condenado agora pelo governo de Jersey, um paraíso fiscal, a devolver 22 milhões de dólares aos cofres públicos, está proibido der sair do Brasil senão a Interpol prende ele, e está solto, no mesmo país que, sem prova alguma de dinheiro público, condena-se José Dirceu a mais de dez anos de prisão. Porque o STF não manda prender o Maluf ? Porque a imprensa não fica um ano falando do escândalo do Maluf, como fez com o mensalão ? Porque não tem interesse.

Evilazio disse...

Diferente de uma pessoa com a cultura de um Santaiana, os juízes e promotores brasileiros são muito mal preparados. Hoje, em geral, são jovens que se dedicaram a estudar a bibliografia dos concursos, mas na absoluta maioria essas pessoas não lêem outros livros, não conhecem história, rudimentos da filosofia, sociologia, ciências políticas; enfim, não conhecem a vida real. Esta triste realidade está sendo desnudada nas transmissões ao vivo pela TV, ao revelar que a mais alta corte do país é um circo de vaidades, composto por pessoas despreparadas, desequilibradas, incapazes de manter a compostura e frágeis às câmaras que podem assegurar a eles os 15 minutos de fama. Esta triste realidade coloca no topo da pauta a necessidade de debater o controle social sobre o judiciário, como contraposição ao controle da mídia de extrema direita, como ocorre hoje. Em tempo, alguns réus deveriam mesmo ter sido condenados, outros não; porém os inúmeros equivocos dos juízes podem resultar na desmoralização do julgamento e a liberação de todos. Esta desmoralização pode já estar em curso, com a postergação do julgamento que envolve Eduardo Azeredo e os 79 da lista de Furnas, além dos recursos internacionais que, aliás, são direito dos julgados.

Anônimo disse...

Tribunal

Os astrônomos existem, são importantes e necessários, mas ninguém precisa ser astrônomo para observar um eclipse do sol. Precisa apenas tomar cautela para proteger os olhos de uma possível cegueira.

Ninguém precisa ser especialista para perceber que o STF errou nesse julgamento da AP 270. E não foi uma coisinha aqui outra ali, foi sim, um erro grande. Foi de tal maneira que tudo leva a crer ter sido algo proposital.

Antes, esse tribunal já vinha se conduzindo de maneira esquisita fazendo manobras de diversos tipos. Agora entra para lista dos tribunais que cometeram erros e injustiças que ficaram gravados para sempre na história.

Chico Barauna
18-11-2012

Anônimo disse...

Eu não acredito em jornalismo imparcial, em imprensa imparcial, nem no STF imparcial. O defeito do PT, do Ze Dirceu e do Lula parece que foi ter lutado pela democracia no Brasil, pela inclusão de miseráveis.
A opinião de Mauro, reflete a tese de quem não conhece as diretrizes do PT e se esconde no discurso vago de uma classe, de uma mídia e de um projeto.
O STF e seus juizes não estão acima da lei e muito menos pai da verdade. São juízes que cometem erros, ja cometeram e tenho certeza que essa página será mais uma, assim como outra, cheia de dúvidas e erros.
Qualquer pessoas, por ingenua que seja, dá pra perceber que todas essa alegoria não passou de um julgamento politico cheio de nuances.

Salito disse...

Nunca vou me cansar de elogiar o nobre pensador e jornalista. Mas neste caso, sem paixão, discordo de cada palavra escrita, uma a uma (à exceção do expediente histórico, que não me vem ao caso). Cada uma.
Saudações.

Anônimo disse...

Caro Mauro, mesmo que Dirceu soubesse do fato, não se pode condenar na base do "acredito", "não acredito" ou no achismo. Não existe um fato que comprove absolutamente nenhum contato entre José Dirceu e Marcos Valério, nem por email, nem por telefone, nem por carta, nem pessoalmente. Em qualquer país civilizado, manda a prova e a presunção de inocência. E tem mais. Esse caso, claro, de financiamento eleitoral não teria dado em nada se Robero Jefferson não tivesse sido apanhado - por meio de um apaniguado - roubando descaradamente nos Correios, e não tivesse sido prontamente punido por José Dirceu, como Chefe da Casa Civil, com o seu pronto afastamento da instituição. No Brasil, todo bandido safado que é apanhado com a boca na botija vira chantagista e caluniador na hora. E depois é transformadoem vestal e ungido por uma imprensa canalha, que o santifica e transforma em herói, desde que isso prejudique o Governo e o indisponha com a população.

Mauro Santayana disse...

Saudações, Salito. E sinta-se sempre à vontade para colocar franca e livremente suas opiniões.

GMV.Grupo Mangue Vivo de Mangue Seco disse...

Infelizmente no brasil quando um politico corrupto é julgado e condenado intitulam ''jogo politico'' é interessante que quando uma mãe rouba um kg de arroz pra matar a fome dos filhos não intitula ''institnto de sobrevivencia''. Em fim como é que se acredita num futuro para um país desse?