18 de mai. de 2011

LINGUAGEM E SOBERANIA

A civilização se define como a reunião dos homens em cidades, construídas a fim de os proteger das intempéries e tornar a vida mais amena. A troca de experiências levou-os a aspirações ainda maiores, ao êxtase diante da beleza das cores e dos sons, ao surgimento da arte. Recentemente se descobriu o que os arqueólogos consideraram o primeiro instrumento musical: flauta feita a partir do osso de um abutre, e datada, conforme os estudos, de há 35.000 anos.

O homem chegou ao momento mais alto de sua razão na chamada idade axial, que, conforme Karl Jaspers, ocorreu entre o século 8, antes de Cristo e o século 2, de nossa era. O desenvolvimento da inteligência e dos sentimentos de transcendência, naquele milênio, na China, na Índia e no Mediterrâneo, praticamente esgotou o potencial da mente humana. O que marcou o período foi o aprimoramento da linguagem escrita, que transmitiu ao futuro a experiência do passado e incitou o desenvolvimento das idéias. A partir daí, o processo tem sido o polimento de um poliedro translúcido. Sua essência, volume e forma não se alteraram. É como se fosse um depósito de luz, espécie de prisma, que reflete o todo cósmico, para orientar a construção permanente do homem.

A linguagem evoluiu dos primeiros grunhidos, que expressavam o medo, o pedido de socorro, a conquista da fêmea ou do macho, o êxtase diante da beleza de um pássaro, ou a tristeza do luto, até os cantos de Homero, os dramas gregos, as novelas de Cervantes e os poemas de Shakespeare. A civilização é, assim, o processo da evolução da linguagem. Sem a inteligência comum dos grupos, a que chamamos cultura, os sentimentos humanos minguariam, cedendo lugar aos instintivos grunhidos dos hominídeos. Demolir a linguagem é demolir o homem. Quando se trata de política de Estado, é crime contra o povo.

Não surpreende que o Ministério da Educação aceite a iniciativa de professores de português em destruir a bela língua que surgiu no norte da Península Ibérica, a partir do dialeto galego, e cuja expressão literária se deve a prosadores como Fernão Lopes. Além de essa agressão vir desde o governo de Fernando Henrique, ela é coerente com o estiolamento do processo civilizatório, a que estamos assistindo nesta passagem de milênio. Significa a completa falência do estado contemporâneo, aqui e alhures. Muitos dos professores que advogam a anarquia da linguagem – felizmente, não todos - ao estimular a redução das frases a meras aproximações da mensagem, fazem-no, provavelmente, em causa própria. Não conhecendo os mecanismos da sintaxe, da semântica, da morfologia, são incapazes de ensinar. Os pais e avós se espantam com os grosseiros erros de linguagem cometidos por certos mestres.

A língua não é exata. Toda linguagem, dizem os especialistas, é imperfeita. Os idiomas se sujeitam às mudanças da sociedade, mas, dialeticamente, ao enriquecerem, enriquecem seus usuários, e, ao empobrecerem, corroem a cultura e a ética das nações. Essa erosão contribui para o embrutecimento assustador do homem, que se manifesta no envenenamento de moradores de rua nas grandes cidades brasileiras e no pandemônio psíquico de pessoas, como o matador de crianças no Realengo. E se expressa também no terrorismo de Estado.

Quando “especialistas” em educação expõem as teorias mais confusas e pedantemente elaboradas, prenhes de termos técnicos e vazias de significado, cabe ao Estado determinar o retorno às cartilhas de há 60 anos, para o aprendizado da Língua Pátria, em toda a sua riqueza, e à tabuada, base da razão matemática. Só a velha escola pode trazer homens novos ao mundo, capazes de entender o tempo e salvar a espécie da destruição que a ameaça.

Textos como os de “Contos Pátrios”, escritos por bons escritores (como Olavo Bilac e Coelho Neto) deveriam ser adotados. A língua é o fundamento da soberania.

15 comentários:

Anônimo disse...

Uma vergonha. Sobre o mesmo tema, sugiro ler o post abaixo:

http://cangarubim.blogspot.com/2011/05/celebracao-da-ignorancia-o-mec-insulta.html

Carlos Eduardo da Maia disse...

Muito bom, absurdo essas "liberalidades" do MEC. Uma coisa é falar errado e outra coisa -- completamente diferente -- é escrever errado.

Mauro Santayana disse...

Obrigado, Carlos Eduardo. Esse pessoal não entendeu a importância da linguagem. Estão querendo resolver o problema não melhorando a qualidade da educação, absolutamente necessária para a inclusão social e a evolução do nosso povo, mas "tirando o sofá da sala".

Sepé Tiaraju disse...

Sou contra esses professores que aprisionam o aluno numa só modalidade, se a língua admite duas ou mais construções. O que falta no estudo da língua portuguesa é atenção à teoria da linguagem. Afinal, já diziam os lógicos: distinguir é conhecer”. Palavras do Bechara em jornal do Rio em 2002! O ponto final da polêmica está numa das primeiras gramáticas, de 1536, de Fernão de Oliveira: “A língua é o que os falantes fazem dela”.
Para o Bechara (faco minhas as palavras dele tb.), o conceito de certo e errado é muito relativo na Língua Portuguesa. E negar qualquer variação é reprimir o potencial criativo. A tal professora vai pelo mesmo caminho: mostra variantes! Nas provas internacionais do PISA o assunto mais cobrado é justamente interpretação de textos! Incluindo a linguagem visual! Coisa que nenhum dos que decoram ou aprendem regras pode mais fazer! Restam as perguntas:
Por que não criaram a polêmica com o Bechara? Medo de cachorro grande?
Por que não houve polêmica àquela época (2002)? O mandatário estava nu e ninguém queria ver (afinal a política do MEC é a mesma desde 95)?
Por que agora e com tanta veemência? Quem é que está por trás disso? Ah!! A mesma galera cooptada pelo IBAD/IPÊS!! Tá explicado! “Plus ça change, plus...”
PS: Um dos críticos do livro escreveu num jornal de Brasília regrinha até para pronunciar palavras, veja aí o libelo: “Trata-se de manha do português. Nossa língua não tem palavras terminadas em d, b, p. Assim, quando a sílaba acaba com uma dessas consoantes, o falante não pensa duas vezes. Acrescenta uma vogal. Como evitar a tentação? Treine. Pronuncie muitas vezes o vocábulo sem o som penetra.”
OU seja, ensinando o brasileiro a falar português que nem gringo! Isso é que desserviço! Vixe, o radicalismo não tá mais atacando só os livros...! Vou morar em terra Brasiguaias.. “lá sou amigo do Rei, terei a mulher que eu quero...” e que fala minha língua!

Anônimo disse...

É, Sepé, vc tem razão, mas se todo mundo começa a falar - e a escrever - do jeito quer quiser, daqui a pouco ninguém se entende mais. E como passar informação de uma geração para a outra? Antes o vocabulário mudava de cem em cem anos. Hoje ele muda a cada dez.

Sepé Tiaraju disse...

Basta ler qualquer livro de séculos anteriores, duvido que não os entenda! Camões escrevia "ingrez", e não estava falando do casamento real ;)

Mariana disse...

A questão é que a linguagem surgiu para facilitar a comunicação, não para dificultá-la, torná-la inacessível a muitos e domínio de uma minoria. Nunca acontecerá de ninguém se entender. A menos se considerarmos o que corre hoje, onde (acredito) 80% dos brasileiros não entendem nada do que diz na constituição, tampouco no código penal ou qualquer outro código.
“só existe língua se houver seres humanos que a falem.”
Marcos Bagno escreveu um livro chamado Preconceito lingüístico. Muito bom de ler! Recomendo para quem se interessa pelo assunto.
link para livro:
http://pt.scribd.com/doc/6313101/PRECONCEITO-LINGUISTICO-Marcos-Bagno
"Temos de fazer um grande esforço para não incorrer no erro milenar dos gramáticos tradicionalistas de estudar a língua como uma coisa morta, sem levar em consideração as pessoas vivas que a falam. O preconceito lingüístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo… Também a gramática não é a língua. A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta. Mas é essa aplicação autoritária, intolerante e repressiva que impera na ideologia geradora do preconceito lingüístico."

Nós passarinho...

Leonardo Meimes disse...

é triste ver a ignorância que as pessoas têm sobre esse assunto, simplesmente o preconceito fala mais alto, pergunto: Mauro você viu o livro na integra?

Se viu pode confirmar que o que os jornais fizeram foi uma tentativa bem sucedida de acabar com a credibilidade do livro. E o caso é simples, o livro não diz apenas o que eles noticiaram.

A língua é como um ser vivo e está fora de controle, de que adiantou a criação das primeiras gramáticas do latim? temos o Português, Espanhol, Francês... uma língua não é controlável...

Além disso, ninguém fala o português que está nas gramáticas, portanto ele não existe... ele é apenas uma base para que o país tenha um ponto de partida em comum no ensino da língua.

Vc fala "roupa" ou "ropa"? já percebeu que a sentença "eu fui ali na biblioteca pegar os livros" muitas vezes é dita de forma que o s de livros é suprimida? e por muita gente e a todo tempo.

O que o livro faz é admitir o que os linguistas já sabem há muito tempo e o povo não,que não existe algo certo em uma língua, ela é usada diferentemente a todo momento. A língua só é língua quando usada, portanto uma gramática não condiz com o que ela é, e nossa gramática padrão contém muitos problemas conceituais, até mesmo o conceito de plural está colocado de forma que não condiz com o que a língua apresenta.

Então dizer para um aluno que "os livro" está certo é mostrar para ele que na fala cotidiana ele irá encontrar muitas vezes isso e não deve ter preconceito.

O que os jornais não colocaram foi o resto que está no livro, a sequência diz que o aluno tem que ter o conhecimento da norma padrão porque em alguns contextos ele sofrerá preconceito pelo uso de uma variante popular.

É o dever do professor ensinar a variante padrão, porém o aluno não deve ser enganado dizendo que as outras são erradas, não são erradas apenas são inadequadas a alguns contextos por puro preconceito.

O livro faz isso.
Agora sugerir que Olavo Bilac e Coelho Neto sejam adotados! Caia na real Mauro, esses textos não condizem com o português que usamos, é melhor que Chico Buarque, Clarice Lispector e Guimarães Rosa sejam a base, pois saberemos como é a linguagem padrão, a linguagem popular e conheceremos a ampla possibilidade de "contrução" que a língua portuguesa permite (em Guimarães Rosa).

aliás na língua só desaparece o que é desnecessário, só aparece o necessário e só se muda se for em favor de uma otimização... nada surge nela simplesmente para decrepitá-la. Esse é um preceito da Linguística Gerativa(minimalista) que mostra que na estrutura interna da língua tudo busca uma otimização.

Se essa língua de Camões e de Machado não existe mais... é porque no nosso mundo ela não se encaixa.

Esse assunto não deveria ter caminhado para o público, porque assim como um engenheiro entende de obra e sabe que uma pilastra feia pode ser mais efetiva que um bonito arco, um linguista sabe sobre a língua, e sabe que na língua o preconceito chegou a tal ponto que apenas o que não soa feio aos ouvidos da elite é aceito, o resto é considerado como "errado", porém tudo que uma língua permite aparecer na fala está seguindo suas regras e princípios internos os quais um leigo nunca irá saber que existe.

Não opinem sobre o que não sabem, pois é tudo pré-conceito.

Mariana disse...

Aquele parnasiano do Bilac não escrevia nada com nada! Ficava procurando as palavras mais bizarras e desconhecidas e empilhando naquilo que ele chamaram de poema.
O preconceito lingüístico é um dos sintomas do preconceito de classe que tem no Brasil, além de ser uma grande hipocrisia, porque como o poust a cima traz, NINGUÉM fala de acordo com essa norma culta do caramba.
Desde sempre a educação é sabotada nesse país, e essa “linguagem” explusora que impera no preconceito lingüístico são os respingos dos preconceitos de classe dessa elite burra brasileira.

Anônimo disse...

Mauro,
Você não tem a propriedade que acha que tem para falar sobre linguagem. Admita-se na posição de leigo. Esse é o primeiro passo para admitir um outro nível de conhecimento. Afinal, a nossa bagagem de mundo é composta muito mais por nossas experiências diárias do que por conhecimentos epistemológicos. Por isso, o jornalista possui a tarefa árdua de informar a população sobre assuntos variados sem ser especialista em nada. Para isso, você poderia ser menos austero e senhor da razão, como se impõe no texto em pauta. Se quer falar sobre esse assunto com propriedade, se informe. A sala de linguística I está à sua espera. Não poderia debater com você anos de academia em um parágrafo de blog.

Joelma

Anônimo disse...

É, com certeza deve ser vc, e não o Mauro Santayana que deve falar sobre linguistica. Onde fica a sala de linguistica? Nas universidades brasileiras que não ensinam seus alunos sequer a escrever o próprio nome? Nas associações de professores, que se formam nas escolinhas "pagou, passou"? Língua é norma. Fala-se coloquialmente. Não se escreve coloquialmente. A língua, obviamente, se adapta. Mas não é qualquer pé-de-chinelo que a muda. As mudanças são detectadas, e vão, paulatinamente para os diconários. A diferença entre o Brasil e os países ue querem nos domninar, e nos dominam, é que lá a elite tem uma educação de qualidade, professores vde qualiodade, que conhecem e preservam a cultura nacional ao longo dos séculos, e não que a desmontam a cada geração de professores que entra nas salas de aula. O que nós temos que fazer é dar ao nosso povo, independente de sua classe social, uma EDUCAÇÃO DE ELITE, para que todos se igualem na cultura e na inteligência, e não uniformizar, por baixo, a ignorância que aí está, fruto da péssima qualidade de ensino que nós temos. E que colocou a população brasileira no último lugar entre 120 páises na última avaliação da UNESCO.

Leonardo Meimes disse...

Anônimo, sue comentário foi um festival de senso comum, primeiro a língua não é norma, a norma é uma tentativa de descrever um dos aspectos da língua, a língua é interação, e como toda interação existem contextos diferentes e formas diferentes de usá-la.

A fala nem sempre é coloquial, ou vc nunca participou de um seminário? a escrita também nem sempre é formal, ou vc ñ usa a Internet? Existe formalidade e informalidade tanto na escrita quanto na fala. Existe e pronto não adianta criar uma norma porque vai continuar existindo.

E a língua usa em todos os níveis do coloquial ao formal, a língua não é sua, e esses pés de chinelos ai não são obrigados a falar uma língua que nunca saiu do papel, e nunca sai do papel. eles tem que falar a língua que é necessária para sua vida seja a formal ou outra qualquer.

Sua opinião não é um argumento, pois é vazia, é baseada em um mundo que não existe, um mundo em que as línguas podem ser controladas pela elite como uma forma de afirmar que o homem controla a natureza.

A língua varia, existem outras regras de concordância no português e não há gramática que conseguirá impedir que essas variantes permaneçam.

Anônimo disse...

Leonardo, o fato da fala ser coloquial, não quer dizer que a escrita o seja, a não ser, eventualmente, na literatura. Ou então não é preciso mais ensinar português, cada um escreva como quiser. É isso que vocês estão propondo?

Joana Darc da Silva disse...

A língua é heterogênea, múltipla e variável, está em constante evolução!
E quem disse que falar ou escrever bem é sinônimo de ascensão social?

Leonardo Meimes disse...

anônimo, você mostra seu desconhecimento da língua, a escrita é coloquial também em várias situações, bilhetes, internet, MSN, SMS, na língua tudo tem sua formalidade ou informalidade tanto a fala quanto a escrita, e não é sempre que a norma padrão é mais recomendada...

A proposta é ensinar o padrão, mas mostrar que ele não é correto, é apenas uma variante prestigiada e que as outras não são erradas, são desprestigiadas e portanto sofrem preconceito, assim o aluno saberá que é preciso conhecer o padrão e saberá também que alguém que usa outras variantes não está errado, diminuindo o preconceito.