28 de jan. de 2013

O RETORNO À SOBERANIA


          (JB) -Dois fatos políticos de anteontem se unem para debilitar a unidade européia, ou cimenta-la, a partir de uma profunda mudança ideológica. Em Barcelona, o Parlamento aprovou, por maioria de dois terços, a Declaração de Soberania. O texto, que remonta aos direitos históricos de autogoverno dos catalães, desde os tempos medievais, serve de recheio para o enunciado principal, simples e curto, como são todas as grandes decisões históricas. E como em todos os documentos políticos importantes, a clareza sacrifica o estilo.

“Declaração de soberania e do direito de decidir do povo da Catalunha: 

“De acordo com a vontade majoritária, manifestada democraticamente por parte do povo da Catalunha, o Parlamento da Catalunha aprova iniciar o processo para tornar efetivo o exercício do direito de decidir, para que os cidadãos e as cidadãs da Catalunha possam decidir seu futuro político coletivo, de acordo com os seguintes princípios:

“Soberania: O povo da Catalunha tem, pelas razões de legitimidade democrática, o caráter de sujeito político e jurídico soberano”. 

No mesmo dia, David Cameron anunciava o seu propósito de, se reeleito, daqui a dois anos, promover referendum nacional para que os cidadãos decidam se as Ilhas Britânicas continuam integrando a União Européia ou a abandonam. 

Esses dois fatos conduzem à visão cética de muitos pensadores e analistas, quanto ao futuro da unidade política do território em que a idéia do Ocidente plasmou-se e se desenvolveu. Há, e bem nítido, movimento de dispersão, de reafirmação da idéia de plena autodeterminação das comunidades nacionais. Trata-se da insubmissão aos estados construídos sobre as marcas de domínio supranacional da Igreja, dos reis e dos imperadores. Enfim, articula-se o retorno às sociedades unidas pela cultura, pela crença, pela linguagem. 

Essa tendência à reconquista da soberania dos povos, perdida ao longo dos séculos, não se limita à Espanha, nem se manifesta apenas no mal-estar dos grandes estados, como a Inglaterra, em fazer parte de uma sociedade heterogênea, com idéias e interesses conflitantes. A Inglaterra parece perceber, e com razão, que a Alemanha, sob o domínio espiritual da velha Prússia, retorna ao sonho antigo de dominar a Europa, se não o mundo. Os alemães não escondem a sua presunção de superioridade, que antes se baseava na ilusão do poderio militar, e hoje se assenta na hegemonia econômica. 

Há dois aspectos, um, positivo, e o outro, negativo, nesse movimento centrífugo. O positivo se funda na velha idéia de liberdade e de afirmação da identidade cultural e política dos povos diferentes, que se projeta no desenvolvimento econômico autônomo, na conquista da autarquia, conforme os gregos. O negativo é o da xenofobia, que se agrava com o racismo. Os critérios de classificação racial, que a ciência e a ética rejeitam, se estreitam, e os estranhos, ainda que tenham a mesma origem étnica, passam a ser vistos como inferiores. 

A situação paradigmática, na dissolução dos estados multinacionais, é a da Espanha. Os povos diferenciados, que contavam com os fueros antigos de suas cidades, sempre contestaram a centralização do poder, sobretudo a partir do século 15, quando, com a união de Castela e Aragão, os reis passaram a suprimir, pouco a pouco, os estatutos de relativa liberdade das cidades. A partir da ditadura de Primo de Rivera, que se ampliaria na tirania de Franco, depois do sonho de liberdade e de igualdade da breve República dos anos 30, a exploração econômica dos povos periféricos e a opressão política se tornaram mais graves. O atual momento de fragilidade de Madri, com a crise econômica aguda de que padece a Península, estimula os catalães e bascos em seu movimento de rebeldia. Não é por acaso que, conforme noticiou El País, a cidade basca de San Sebastián hasteou, em seu Ayuntamento, sede do poder municipal, a senyera, a bandeira da Catalunha. 

As fronteiras políticas se movem na Europa.    

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Um comentário:

Anônimo disse...

A União Europeia é uma ficção geopolítica. Nem pode se tranformar uem estado, nem em uma federação, a longo prazo, e alguns países, como a Espanha, por um lado abdicam de uma política exterior e econômica próprias, e por outro se rompem também por dentro, porque também, do ponto de vista histórico, não passavam de uma ficção, mantida de pé pela opressão, e domínio, de um povo, no caso, os castelhanos, sobre outros, como os bascos e os catalães.